Parágrafos: Segredos da paragrafação que nunca te contaram!
Em minha saga na pesquisa por assuntos de escrita criativa, uma das coisas que mais encontrei referências é o tal do PARÁGRAFO.
Convenhamos: estruturar bem seus parágrafos, que irão preencher o corpo sólido de seus capítulos, é um objetivo, talvez um sonho, unânime de todo escritor.
É triste dizer que tantos querem, mas poucos ensinam como se faz um parágrafo bem feito. Ah, ensinam, sim, parágrafos de redação do ENEM. Existem inúmeros blogs, sites, cursos, vídeos no YouTube, enfim, diversas fontes de conhecimento para você escrever lindos parágrafos… para o ENEM.
Mas não estamos aqui para falar disso, estamos? É claro que não. Vamos tratar aqui de escrita criativa, de parágrafos do gênero ficção e sobretudo de parágrafos de webnovel.
Se estava cansado de procurar na internet como se faz parágrafos para sua história e só encontrar referências de “como fazer um ótimo tópico frasal”, aqui está uma página da Novel Brasil dedicada a desvendar essa questão para você.
Para começarmos, vamos entender o que exatamente é um parágrafo.
O que é um PARÁGRAFO?
Quando redigimos qualquer texto, não importando o gênero que seja, geralmente iniciamos um assunto e só queremos parar de redigir quando o assunto acaba e terminamos de transmitir, para quem escrevemos, aquilo que queríamos.
Isso, em forma de fala, poderia ser desde uma frase de 2 segundos até um monólogo de 15 minutos, em que uma pessoa se assustaria ao receber isso em uma mensagem de Whatsapp.

Uma pesquisa feita pela Exame (“Desculpa mandar áudio”: pesquisa mostra como o brasileiro usa o WhatsApp) aponta que mais da metade dos brasileiros gostam de enviar e receber mensagem de voz e por incrível que pareça muitos não se importam com o tamanho. No entanto, a maioria respondeu que preferem “uma sequência de mensagens de áudio mais curtas, fracionando a história”.
E é daí que vem o que eu sempre digo: a língua escrita sempre reflete ao que é feito, e esperado, na língua falada.
Assim como a grande maioria das pessoas esperam que uma pessoa conte uma história parte por parte enquanto fala, ao invés de enviar um único áudio contendo toda a trama por qual passou, na escrita leitores também esperam que haja fracionamento da história para que ele possa consumir.
Esse tal fracionamento se dá pela aplicação de parágrafos, onde cada parágrafo conta uma parte da história.
Um parágrafo é uma fração de uma história.
Essa é a definição mais básica que podemos chegar, porém, se fosse tão simples sair separando o seu texto em vários parágrafos, não estaríamos aqui. A pequena dúvida ainda fica — Como separar os parágrafos? — pois ainda que se entenda a importância de se fracionar uma história em arcos, capítulos, parágrafos e frases, não lhe foi explicado como fazer.
Ideias
Assim que você entra na Novel Brasil e pergunta a alguém como está o seu texto, principalmente os parágrafos, vários de nossos membros vão te falar sobre a tal da ideia do parágrafo.
Para quem já está acostumado com a escrita de qualquer gênero textual é um termo comum e já deve ter se deparado com o assunto. No entanto o conceito de ideia muitas vezes é apresentado de uma forma muito, mas, muito vaga, e é comum que todos apenas “empurrem com a barriga” a matéria, não se aprofundando muito no assunto.
Pois bem, a primeira coisa que qualquer escritor tem que aprender sobre parágrafos é que os parágrafos devem ser escritos seguindo uma ideia central do parágrafo. Um parágrafo deve se propor a oferecer informações sobre um determinado assunto sem extrapolar ou divergir.

Para a formulação de tais ideias centrais, existe um processo bem simples em 3 passos. Ao final dos 3 passos vamos obter um elemento textual chamado de tópico frasal ou período tópico.
Passo 1: Identificar a ideia
Não adianta você conhecer todas as teorias e ter todas as ferramentas para escrever se você simplesmente não tem ideia do que escrever. Esse talvez seja o passo mais importante.
Aqui você identifica qual parte da história você vai contar, quais informações, com qual clima e tom. Pode ser uma imagem mental na sua cabeça ou um tópico do roteiro já escrito; o importante é que deve ser específico para aquele parágrafo que irá escrever.
Não existe uma fórmula mágica aqui. Você deve aprender nos conceitos de narrativa quais são os próximos passos de informações que devem ser inseridas na história e em qual ordem. Uma ideia pode ser muito específica ou muito vaga, dependendo da quantidade de informações e da quantidade de palavras necessárias para apresentar tais informações.
Muitas vezes é um trabalho solitário e único de cada autor a formulação de ideias de parágrafos. Deixo claro que é bem possível que você inicie com uma ideia e termine com mais de uma ou outra diferente, pois a identificação da ideia é apenas um passo inicial agora, mas deve ser revisada ao final dos 3 passos.
Por ora explico que você deve ter uma imagem vívida em mente, com as cores, os sons, as vozes, o cenário, o cheiro, o sabor, os sentimentos e movimentos, tudo que for necessário para compor aquela parte da história em um parágrafo.
Passo 2: Propor a ideia
Assim que você identifica sobre o que irá escrever, será obrigado a pensar em como irá escrever.
A proposta, ou proposição, é onde você arquiteta e planeja como a ideia central será apresentada no texto.
Felizmente aqui temos uma fórmula bem simples para te auxiliar. A recomendação é que se faça uma frase contendo o locutor, a abordagem e o objeto.
- Locutor: é o sujeito que falará sobre o assunto da ideia, podendo ser o narrador ou um dos personagens.
- Abordagem: é a variação de estruturas frasais e estilos que serão utilizadas no parágrafo, podendo ser narrativo, descritivo, expositivo, persuasivo e dialógico.
- Objeto: é o núcleo da ideia central, geralmente um substantivo significativo do que será falado no parágrafo.
Assim, podemos formar uma frase com o locutor como sujeito, a abordagem como verbo e o objeto como complemento verbal. Exemplo: Narrador descreve a casa / Personagem X expõe conceito de magia.
A proposta vai conter, portanto, o mínimo necessário de informações para o nosso próximo passo.
Passo 3: Escrever a ideia
Nem no passo 1, nem no passo 2 você é obrigado a escrever coisa alguma. Estávamos até então dentro da sua cabeça. Claro que se você quiser fazer um planejamento todo escrito, você pode escrever o que foi feito nos passos anteriores como documentação para a sua obra.
Agora no passo 3 você deve escrever uma frase que se propõe a apresentar a ideia central daquele parágrafo. Aqui você irá escrever uma frase, na própria voz do locutor já escolhido, que vai ficar escrita dentro do próprio capítulo da história. Você vai escrever o tópico frasal do parágrafo.
Não há limite de tamanho, mínimo ou máximo, para um tópico frasal, muito menos regras que determinam como exatamente um tópico frasal deve ser escrito. A questão é que deve ser suficiente para apresentar a ideia e não extrapolar.
Peguemos a proposta que usei de exemplo no passo anterior para simularmos a formulação de um tópico frasal:
Proposta: Narrador descreve a casa.
Tópico frasal: A casa era muito grande.
Este curto tópico frasal já demonstra que é o narrador falando (o locutor), pois não é antecedido por travessão, que tem como núcleo do parágrafo a casa (o objeto) e que se trata de descrição (a abordagem) devido à frase conter predicativo do sujeito.
A frase narrativa, a que está efetivamente escrita na obra, portanto, espelha a estrutura proposta pela ideia, possivelmente presente em uma linguagem mais fria e crua de um roteiro, mas com suas próprias palavras, estilos e vozes e detalhes adicionais próprios do texto desenvolvido.
Agora vamos aprofundar mais sobre as abordagens.
As Abordagens Textuais
Em uma narração não há só narração
Ao observar textos narrativos ou simplesmente histórias com narrador, logo nos deparamos com a “narração”, aquela parte chata da novel onde não tem as falas dos personagens, e sim o autor dando uma de sabichão.
Brincadeiras à parte, o texto que fica entre uma fala e outra dos personagens é chamado comumente de narração, mas não só de narração se conta uma história. Para entendermos isso melhor, precisamos separar o que é narrativa do que é narração.
A narração dentro de um texto narrativo é o produto da ação desempenhada pelo narrador: o narrador narra uma narração. No entanto, isso é um entendimento simplista.
Narrar é contar os eventos ocorridos em uma história, é expor as ações dos personagens e suas reações seguindo uma ordem. Enquanto o narrador narra, o tempo daquela história se move em direção ao fim da história.
Já a narrativa é o texto ou fala que resulta da narração, que vai além da simples descrição dos fatos, buscando envolver o leitor e criar uma experiência sensorial. É, portanto, a estrutura completa que engloba os elementos da narração, enriquecida por recursos literários e pela visão do autor.
Mas vamos observar então a seguinte frase:
“Ele atirou o objeto contra ela.”
Daí podem surgir dúvidas: quem é “ele”? Quem é “ela”? Que objeto é esse?
Ok, ok. Vejamos: “Roberto atirou o cubo contra Rebeca.”
Ficou mais claro? Mas é claro que não! Quem é Roberto? Quem é Rebeca? E que diacho de cubo é esse e por que Roberto atirou isso contra Rebeca?!
Por mais que o “relógio da história” ande, o leitor acaba não conseguindo acompanhar por falta de informações;
o leitor para, enquanto a história anda.
Isso está longe de ser o ideal, mas é o que chamamos de narração pura.
Para solucionar isso é que se adicionam temperos à obra, pois além do contexto temos que considerar a descrição, a exposição e a persuasão, que chamaremos de abordagens. Esses são os que dão cores e tons a um texto narrativo complementando a narração.
Estudar as abordagens é o principal caminho para entender sobre parágrafos. Com elas você pode construir parágrafos bem consistentes e flexíveis. Sim, flexíveis.
O parágrafo flex
Esse é um dos pontos principais que gostaria de explicar: um parágrafo não necessariamente é feito apenas com uma abordagem.
Você pode escrever, sim, um parágrafo que apresenta apenas uma abordagem, por exemplo um parágrafo do tipo descritivo somente, mas também pode escrever um parágrafo descritivo-expositivo ou então narrativo-persuasivo, entre outros tipos, ou seja, um parágrafo pode apresentar uma ou mais abordagens.
Por isso, evito tipificar parágrafos como muitos fazem, pois seria como dar um único nome a um prato montado no self-service.
É sério, você não sabe o tanto de artigos, livros e guias que encontrei chamando um parágrafo de narrativo, descritivo, expositivo ou persuasivo, falando de “tipos” de parágrafos, etc., como se um parágrafo fosse apenas um ou outro. Em minha visão, um parágrafo é um prato, e lá você põe o que quiser, carne, salada, massa, arroz e um tantão de feijão.
No entanto, deve-se ter cuidado que apenas uma abordagem é a principal e outras serão secundárias no mesmo parágrafo. Isto quer dizer que apenas uma abordagem vai compor o corpo principal do texto do parágrafo, por exemplo como orações principais ou tópico frasal, enquanto as outras abordagens complementam e enriquecem o teor de informações do parágrafo.

Vamos pegar como exemplo parágrafos retirados de uma obra que talvez você conheça:
“Estou muito confiante na minha força física. Afinal, tenho treinado com espada por dois ou três anos. Mas a confiança que tinha em mim mesmo foi quebrada.
Esse ser, como se zombasse dos meus esforços, continua me perseguindo sem perder o fôlego, com o cabelo vermelho sangue voando ao vento, como se não soubesse o significado de desistir. Não importa quão longe eu vá, no instante em que relaxo, ela fecha a distância entre nós.”
— Mushoku Tensei: Se Reencarnar, Viva Plenamente, escrito por Rifujin-na Magonote
O primeiro parágrafo apresenta predominância persuasiva, com o narrador justificando sua autoconfiança devido a anos de treinamento, enquanto sugere (narra) uma passagem de tempo de forma implícita e prepara para uma virada emocional.
Já o segundo parágrafo é essencialmente narrativo, focado na perseguição contínua, mas enriquecido por elementos descritivos, como o “cabelo vermelho sangue” do perseguidor. A narrativa dá movimento à cena, enquanto a descrição visual amplifica a tensão.
Essa análise demonstra como os parágrafos mesclam abordagens, com um servindo para introduzir contexto e emoção, e o outro para conduzir a ação com detalhamento e ritmo.
Funções das abordagens
Dito isso, as abordagens podem desempenhar papéis diferentes em cada parágrafo: a abordagem principal, a abordagem secundária e a abordagem significativa.
A abordagem principal, como dito anteriormente, compõe o corpo principal do texto de um parágrafo, fornecendo estilo e estruturas frasais.
A abordagem significativa não determina obrigatoriamente o estilo do parágrafo, mas é onde se projeta a intenção do autor e adota um propósito. Intenção do autor é o que ele quer transmitir com aquele parágrafo para o leitor.
Esta abordagem também é onde se propaga o significado e o motivo de existência do próprio parágrafo, e ela pode ser tanto a abordagem principal quanto a secundária.
Quando a abordagem principal é também a abordagem significativa de um parágrafo, nós temos um parágrafo direto, em que o estilo do parágrafo é determinado pelo que se quer transmitir. Porém, nem sempre é assim.
Quando a abordagem principal é diferente da abordagem significativa de um parágrafo, nós temos um parágrafo indireto, em que a intenção do autor se esgueira sob o estilo do parágrafo. Vamos ver um exemplo:
“Ana era a personificação da elegância. Seus longos cabelos negros caíam em ondas suaves emoldurando seu rosto oval, onde se destacavam seus olhos castanhos brilhantes e um sorriso radiante. Sua pele clara e macia era realçada por um vestido azul celeste que fluía com cada passo, revelando suas curvas delicadas. Ana era a imagem da beleza natural e feminina, irradiando charme e sofisticação.”
“Ana caminhava pela rua, atraindo olhares por onde passava. Seus longos cabelos negros balançavam ao ritmo de seus passos, enquanto seus olhos castanhos brilhantes observavam o mundo com curiosidade. Um sorriso radiante iluminava seu rosto oval, enquanto sua pele clara e macia era realçada pela luz do sol. O vestido azul celeste fluía com cada movimento, revelando suas curvas delicadas. Ana era a imagem da beleza natural e feminina, irradiando charme e sofisticação a cada passo.”
Observe bem o tópico frasal — a primeira frase nesse caso — de cada parágrafo. O primeiro conta com verbo de estado e predicativo e o segundo com verbo de ação e objeto. Enquanto o primeiro lista as qualidades da personagem, o segundo se apoia nos movimentos para inserir as descrições entre as ações. (O cabelo se mexe, descreve o cabelo; os olhos se mexem, descreve os olhos…)
Fica entendido, portanto, que no segundo parágrafo temos um parágrafo indireto, onde vemos a intenção de descrever a personagem se apoiando na estrutura da abordagem narrativa. O parágrafo indireto é como uma ilusão de ótica onde se desenha objetos que acabam formando outra imagem.

Vamos ver mais um exemplo:
“Com a espada reluzindo ao sol, ergui-a em desafio, movido pela necessidade de defender meu reino e meu povo.”
“Preciso defender meu reino e meu povo com a espada reluzindo ao sol, que ergui em desafio.”
Quando o locutor tenta convencer o leitor de algo, com justificativas, desculpas e motivações, temos uma persuasão, presente nos 2 exemplos acima. A diferença entre eles é se a persuasão é principal ou secundária.
A primeira frase indica que a ação de erguer a espada é o núcleo da frase como sendo a oração principal e os outros elementos são secundários, portanto a narração é a abordagem principal. Isto deu ênfase à ação, e a frase busca criar a imagem vívida da cena por meio da descrição — “Com a espada reluzindo ao sol” — e persuasão — “movido pela necessidade de defender meu reino e meu povo”. De forma simples, se tivesse uma câmera filmando, ela apontaria para a espada.
Já a segunda frase dá mais ênfase à motivação do personagem, tendo como núcleo da frase a necessidade que ele expõe já na oração principal, que tem uma abordagem persuasiva, e são secundárias a descrição da espada e a ação de erguê-la. Novamente, de forma simples, agora a câmera aponta para o rosto ou a nuca com um possível flashback bem rápido.
Como pôde perceber, a abordagem não é uma característica de uma frase, visto que dentro de uma há essa mescla de abordagem. No entanto, o teor de cada abordagem em um parágrafo vai depender do estilo adequado para o autor transmitir o significado que quiser e como quiser.
Vamos então explorar brevemente cada uma das abordagens:
A narração
A abordagem narrativa é a alma da ficção, pois é responsável por avançar a trama e desenvolver os personagens. Nesta abordagem, o autor utiliza principalmente a narração de eventos, ações dos personagens e diálogos para conduzir a história.
Esta abordagem é distinta de todas as outras pelo simples fato de fazer o tempo da história avançar. Por falar em tempo, as abordagens narrativas são as que mais requerem a habilidade do autor com relação aos tempos e modos verbais.
Espaço e POV
Outros fatores importantes na narração são o espaço e o ponto de vista.
O espaço é o palco onde os personagens se movem e as ações se desenrolam. Mais do que um mero cenário, o espaço na narrativa pode ser um elemento crucial para o desenvolvimento da trama e dos personagens.
O ponto de vista, por sua vez, determina a perspectiva a partir da qual a história é contada. Através da escolha do narrador (primeira pessoa, terceira pessoa onisciente ou terceira pessoa limitada) e do foco narrativo (fixo, variável), o autor molda a percepção do leitor sobre os eventos e personagens.
“O beco escuro era um labirinto de sombras, com lixo amontoado e ratos correndo entre os pés de Bruno. O suor escorria pela sua testa enquanto ele avançava cautelosamente, apertando a faca na mão. Um barulho metálico ecoou no silêncio, e Bruno se agachou atrás de uma caixa de lixo enferrujada. Um vulto surgiu da escuridão, empunhando um cassetete. Bruno saltou, esquivando-se do golpe e acertando um chute no estômago do bandido. O homem dobrou-se de dor, e Bruno aproveitou para desferir um golpe certeiro na têmpora. O bandido caiu no chão inconsciente. Bruno respirou fundo, e o coração batia descompassado.”
No exemplo acima, percebemos perfeitamente a passagem de tempo, o espaço onde ocorre, os locais e objetos que interagiram com os personagens e o ponto de vista apresentado. Os objetos na cena não ficaram só enfeitando o cenário, como a caixa de lixo que serviu de esconderijo. Percebe-se também o ponto de vista que era limitado à do Bruno, que viu um vulto. O parágrafo em si começa com uma descrição, mas percebe-se logo se tratar de uma narração. Também há ausência de tópico frasal, que explico mais à frente o porquê.
“A lua, uma bola prateada pendurada no céu noturno, observava a cena em silêncio. Sua luz pálida banhava a clareira na floresta, onde dois homens se enfrentavam em um duelo mortal. Espadas tilintando, metal contra metal, ecoavam na noite serena. O suor escorria pelas testas dos combatentes, e a respiração ofegante era o único som além do choque das espadas.
A lua, testemunha impassível da violência, acompanhava cada movimento dos duelistas. Ela já havia visto incontáveis batalhas, mas essa era diferente. Havia algo mais em jogo, algo que transcendia a vida e a morte. Honra, vingança, amor, todos esses sentimentos se misturavam no ar, alimentando a fúria dos combatentes.
A lua, em sua impassibilidade, não interferia. Ela apenas observava, registrando cada detalhe do duelo em sua memória lunar. Sabia que, no fim, apenas um sairia vitorioso, e que o outro seria lembrado apenas como uma sombra na história. Mas, mesmo na derrota, haveria glória, pois a lua jamais esqueceria o valor dos que lutaram até o fim.”
Nesse outro exemplo temos a personificação da lua que atua como o ponto de vista apresentado. O espaço, no entanto, é um enfeite que tonaliza a atmosfera da narração, mas que não interfere nas ações dos personagens. Também nesse exemplo vemos uma passagem de tempo um tanto diferente do exemplo anterior que tinha uma sequência de ações sucessivas enquanto nesse notamos uma predominância da atemporalidade.
Agora que já elucidei sobre os 3 pontos importantes a considerar em abordagem narrativa — tempo, espaço e ponto de vista —, vejamos o formato padrão de um texto narrativo. Para isso devemos conhecer a metodologia 5W, um acrônimo em inglês que representa as principais perguntas que devem ser feitas e respondidas ao investigar e relatar um fato ou situação.
A Metodologia 5W (e 5WHR)
O 5W é largamente utilizado no mundo corporativo como uma ferramenta eficiente para contar fatos ocorridos ou que ocorreriam (planejamento), e não seria diferente com fatos fictícios que são da nossa área. Who (Quem), What (O quê), Where (Onde), When (Quando) e Why (Por quê) são perguntas que vão abranger todo tipo de ações que ocorrem na sua história.
“Fuga Através do Portal Místico
Um clarão cegante irrompeu da parede de pedra, revelando um portal em forma de redemoinho azul cintilante. Lara, com o coração batendo forte no peito, agarrou a mão de seu amigo Kai e juntos mergulharam na abertura.
O mundo ao redor se dissolveu em um turbilhão de cores e luzes enquanto eles caíam por um túnel cósmico. Do outro lado, um panorama épico se descortinava: uma cidade flutuante banhada por raios de sol dourados, cercada por montanhas cobertas de neve e nuvens multicoloridas.
Com um estrondo surdo, eles aterrissaram em um campo florido macio. Erguendo-se, Lara e Kai se maravilharam com a beleza surreal do lugar. Mas logo, um rugido gutural os fez virar para trás. Uma criatura colossal, com escamas verdes e olhos flamejantes, avançava em sua direção.Sem tempo para hesitar, Lara sacou sua adaga mágica e Kai ergueu seu escudo de energia. O combate foi feroz, mas a bravura e a união dos amigos prevaleceram. A criatura, ferida e derrotada, recuou para as profundezas da floresta.
Exaustos, mas triunfantes, Lara e Kai se sentaram na grama, respirando o ar puro e fresco daquela nova dimensão. A aventura só havia começado, mas eles estavam prontos para enfrentar qualquer desafio que viesse em seu caminho, unidos pela amizade e pela coragem.”

Vamos pegar o texto simples acima, para identificarmos o 5W.
- O que (What): Fuga através de um portal místico para uma nova dimensão e subsequente batalha contra uma criatura monstruosa.
- Quem (Who): Lara e Kai, dois amigos em uma aventura.
- Quando (When): Momento indefinido sequencial.
- Onde (Where): Começa em um lugar com um portal místico, depois com uma vista de uma cidade flutuante em outra dimensão e termina em um campo florido nos arredores da cidade.
- Por que (Why): Para escapar de um perigo não especificado e explorar um novo mundo.
Tudo que temos nos primeiros 4W (What, Who, When e Where) são descrições do que já há no texto. Perceba que Why (Por que) é uma informação deduzida. Ao se entremear as motivações, bem como reações e pensamentos dos personagens junto às descrições das ações, podemos entregar para o leitor um quadro completo do evento.
Muitas vezes o porquê de algo ocorrer é mais interessante para o leitor do que o próprio ocorrido, pois na verdade qualquer história poderia ser considerada como um grande PORQUE. Também há aqueles que preferem na verdade é o COMO.
- Como (How): Através de um portal mágico e enfrentando a criatura em combate físico.
Complementarmente ao 5W, é comum acrescentarmos o H, de How (Como), que nos diz a forma como tudo foi executado, até chegarmos no R, de Result (Resultado).
- Resultado (Result): Lara e Kai vencem a criatura e começam sua jornada na nova dimensão.
5W1H1R ou 5WHR dará então um panorama completo de uma cena, enquanto os parágrafos narrativos retratam momentos diferentes daquela cena.
O 5W1H1R conceitualmente não existe, mas é uma adaptação do 5W-2H-1R onde temos o “How much” (Quanto) adicionalmente, mas que não utilizamos, então fica apenas 1H.
O negócio é tentar imaginar a cena até os mínimos detalhes para que todos os movimentos sejam, ou ao menos pareçam, plausíveis de acontecer na história. Não deixe lacunas se não for de propósito, mas também não complique demais com detalhes inúteis.
Ações Internas
Outra questão que não posso deixar de mencionar é que as ações nem sempre são externas ou físicas; as mudanças de humor, pensamentos e demonstração de sentimentos também são ações para serem narradas.
“João caminhava pelas ruas movimentadas da cidade com a mente em um turbilhão de pensamentos. O dia havia sido cansativo e frustrante, e ele sentia uma onda de irritabilidade crescendo dentro de si. Cada passo era um esforço, cada rosto na multidão um lembrete do anonimato da vida urbana.
Seu humor era como uma tempestade de verão, repentino e intenso. As cores ao seu redor pareciam mais cinzas, o barulho da cidade mais estridente. Ele apertou os punhos com força, reprimindo a vontade de gritar com o mundo.
Em meio ao caos interno, um raio de esperança surgiu. A lembrança do sorriso da sua filha o atingiu como um sopro de ar fresco. Ele imaginou o rosto dela, cheio de alegria e inocência, e um sorriso involuntário se formou em seus lábios.
A tempestade ainda rugia dentro dele, mas agora era acompanhada por um arco-íris de esperança. João respirou fundo, ajustando a gravata e erguendo a cabeça. Ele sabia que a vida nem sempre seria fácil, mas também sabia que tinha o amor da sua filha para guiá-lo através das tempestades.”

No exemplo acima vemos um personagem em um estado contínuo: caminhando. Quando se coloca um personagem em suspensão com uma ação contínua, geralmente é uma introdução para descrições, mas nesse exemplo a narração continua no interior do personagem. Claro que há uma mescla entre as abordagens, mas percebemos a passagem de tempo dentro da psique dele enquanto o externo não sofre mudança significativa.
Em suma, a abordagem narrativa é o alicerce de qualquer história, e controlar bem o seu uso é uma tarefa ardilosa para qualquer escritor; um deslize no espaço/tempo pode deslanchar uma série de drops da sua história.
A descrição
Ao contrário da abordagem narrativa, que deve se alinhar com os eventos da narrativa, o foco da abordagem descritiva não são as ações, tampouco as emoções. Em vez disso, as abordagens descritivas devem se concentrar em mostrar algo de forma vívida e objetiva para o leitor.
Uma abordagem descritiva fornece uma experiência vibrante para o leitor por meio de linguagem vívida e descrições de algo. Para fornecer esses detalhes, o escritor deve usar uma linguagem que agrade aos cinco sentidos do leitor:
- visão
- olfato
- audição
- paladar
- tato

Para apelar a esses sentidos, o escritor deve usar as estruturas linguísticas de descrição, envolvendo adjetivos e predicativos principalmente, que descrevam as sensações de cada um dos sentidos envolvidos.
Por mais que tenha dito que não precisam focar emoções, as impressões pessoais do escritor podem acabar colaborando com o resultado final, já que as escolhas do escritor sobre quais detalhes e sob quais sentidos resolverá descrever é, sim, de natureza pessoal, e ainda mais de percepção pessoal.
Por este motivo, devemos tomar um certo cuidado ao descrevermos sob uma perspectiva muito pessoal. Impressões pessoais do próprio autor é bem comum em escrita criativa, ainda mais considerando regionalismos e aspectos culturais. Muitas vezes uma descrição “normal” pode não parecer para o leitor.
Por exemplo, uma simples questão de temperatura pode ser problemática tendo em vista a extensão longitudinal do Brasil, e sua variação de temperatura e sensações térmicas. Um friozinho para quem vive no norte pode ser calor para quem vive no sul.
Muitos autores costumam escrever obras que o enredo acontece em outros países, e por tal razão acabam erroneamente dosando características brasileiras em locais estrangeiros.
Em suma, abordagens descritivas devem descrever detalhes sobre uma pessoa, um local, um objeto ou um evento.

Vejamos alguns exemplos de parágrafos descritivos:
Audição
— Desculpe, tem um minuto? Já acabei de me arrumar. Queria saber se já tem algo que precise fazer. — Na moral, quase não dá para ouvir o que ela fala. Não tem problema ser tímida, mas compre a porra de um microfone; nem todo mundo tem o ouvido em dia.
— trecho de Trabalhe!, escrito por Hiore
Nesse trecho o narrador reforça a descrição auditiva através de sua impressão. É notável como ele dá importância ao descrever sobre a tonalidade da voz dela. É uma forma de descrição de personagem que nesse caso o autor decidiu por escolher o sentido da audição para caracterizá-la.
Em entrevista, Hiore justificou a sua escolha: “Acho que a voz cria mais claramente a imagem de insegurança para se comunicar do que a aparência, e essa dificuldade é a característica principal que trabalho depois sobre ela”. Isso não foi a única motivação que Hiore me contou. Era importante seguir a narração na “forma como o protagonista pensa”. Ele complementou dizendo: “Na obra inteira eu evito falar de aparência, por que ele repara muito mais em ações, até por que ele normalmente está jogando e não olha para as pessoas”. Hiore adotou então um tipo de narrador específico explicando: “O narrador age como um comentarista, que, ao invés de falar o que aconteceu, dá sua opinião. Isso, quando feito direito, aproxima o leitor do protagonista, apesar de limitar as descrições e ambientação”. Isso justifica claramente a forma como o narrador narra essa história com fundamentos e empatia aplicada. E, por fim, um ótimo ingrediente adicional em uma webnovel foi colocada em prática, segundo Hiore: “Outro motivo, é para fazer ele reclamar. Uma descrição por aparência não teria nada do que reclamar, ou seja, foi em parte pela piada.”
Olfato
Notou os fios ainda úmidos de seu cabelo branco, caindo sobre os ombros pálidos. Com uma toalha acima da cabeça, usava um vestido branco que alcançava metade dos joelhos. Permaneceu inerte ao experimentar o aroma refrescante, que exalava do corpo dela após o banho.
— trecho de A Voz das Estrelas, escrito por Thalles Roberto
Aqui temos a presença clássica da visão e também do olfato como focos descritivos. Dá até pra relembrar o cheirinho após o banho que sentimos outrora. Para alguns leitores, isso pode despertar sentimentos nostálgicos de momentos íntimos com alguma pessoa.
Thalles me contou que o trecho “basicamente tá demonstrando uma visão mais íntima do Norman para com a Layla, levando em consideração tudo que eles passaram até então” e revelou sua intenção ao utilizar a motivação do personagem para a descrição: “A intenção meio que é mostrar o quanto ele a enxerga com mais atenção a detalhes que não enxergava antes por causa dos traumas, por aí. Também foi algo como elevar a aproximação deles nesse aspecto mais físico.”
Quando se utiliza narradores de primeira pessoa ou de terceira pessoa limitada, é bem comum que a descrição foque muito no que interessa para os personagens, dependendo de suas características e experiências. Também é uma forma de demonstrar o desenvolvimento dos personagens.
Visão
Seus olhos se arregalaram diante da visão de um céu estilhaçado, com rachaduras profundas se unindo em uma fenda luminosa de fim inalcançável. O abismo luminescente fez os céus tremerem e, então, começou a regurgitar algo que a mulher somente poderia descrever como “estrelas cadentes” que, apesar do violento nascimento, atingiam o solo com graça, abandonando a luz dourada de criação para revelar algo que a fez compreender a situação.
— trecho de Re: Nascimento, escrito por Saya
Já este trecho nos traz uma visão nova que não lembra praticamente em nada do que nos ocorreu no passado. Uma visão surrealista que deixa claro para o leitor que ali não era o mundo que conhecemos.
A vista fantasiosa e surreal teve um papel de atiçar a imaginação do leitor, como me contou Saya: “Queria fazer com que o leitor imaginasse algo fantasioso, como realmente uma passagem pro ‘outro lado'”. Ele também contou sobre como foi o processo criativo: “Bom, quando eu fiz isso, foi imaginando a chegada abrupta da Menorá Áurea e da Protagonista de RN, e como eu poderia passar isso de uma forma meio ambígua e mística pra descrever melhor posteriormente nos parágrafos seguintes.”
Tato
Vamos pegar um exemplo de múltiplos parágrafos:
Acordei em um espaço estranho; aberto, cinza, sem forma ou sem vida.
Um lugar neutro. O chão era uma massa uniforme de… alguma coisa, como cola ou isopor, mas não era necessariamente terra, ou um piso.
Na verdade, era como se eu estivesse pisando em um pedaço molenga de marshmallow.
No horizonte, nenhum sinal de nada — e quando eu digo nada, é nada mesmo — além de camadas em preto e branco, como se o céu e o vazio colidissem no infinito.
— trecho de Cheaters, escrito por Kuma
Fica evidente nesse trecho como o autor Kuma utilizou o sentido do tato como o recurso descritivo. Em conjunto com a visão ofereceu o detalhe importante desse ambiente, explicando que o terreno não era firme, de alguma forma bem esquisita. Seus parágrafos alternam entre descrições puramente visuais, descrições metafóricas, descrições táteis e volta para descriçoes visuais conclusivas. Por mais que sejam todos descrições, existe um foco diferente em cada um.
“Bom… eu queria dar a ideia de um lugar que nem estava no nosso mundo, nem no mundo do jogo. Um espaço fora de tudo, um lugar longe de qualquer outra coisa. E através disso, passar a sensação de vazio. Algo que está lá, mas ninguém sabe, ninguém se lembra”, relatou Kuma. É notável a intenção do autor ao querer descrever algo em mais de 1 parágrafo, principalmente quando aquilo é importante e não é facilmente explicável por palavras. Para resolver a questão, ele se valeu de uma referência inspiradora: “Eu tirei de uma conversa que tive com um amigo meu que sofria de depressão. Ele dizia que imaginava um mundo assim”.
Paladar
Vamos ver por último sobre o paladar (que muita gente acha que só se usa em culinária):
Hipnotizado pela agonia de ter a carne e os músculos cortados, Roan agarrou o frasco e o virou garganta abaixo.
O líquido era adocicado e cítrico, criando a impressão de ter várias bolhas estourando pela língua. Porém, com o tempo, o sabor se tornou um ácido azedo que queimava a glote, ao ponto de forçá-lo a fechar os olhos e ranger os dentes.
— trecho de O Invocador Sagrado, escrito por Zunnichi
De um parágrafo de narração ele alternou para um parágrafo descritivo. A forma como ele utilizou a abordagem descritiva é incomum de se encontrar: com o tempo em andamento. Normalmente é característica padrão de um parágrafo de narração, mas a mescla sutil entre narração e descrição tornou possível um tipo de parágrafo assim, que é focado em descrição. Percebe-se que o intuito disso foi demonstrar a alteração gustativa pelo tempo decorrido. Então era importante que o tempo andasse.
O Zunnichi me contou o queria mostrar: “Que o sabor sobrepôs às outras sensações do personagem, no caso dor, por meio de uma bebida especial”. Ele também justificou a impressão que queria causar sobre a passagem do tempo: “A impressão que o líquido é mágico ou especial, por isso alterna tanto no sabor”.
Evento
Pessoas, locais e objetos foram retratados nos parágrafos acima. Mas e o evento? Como seria um parágrafo que descreva o evento?
Foi um duelo difícil, porém gratificante. Ambos lutaram bem, conheciam a movimentação básica dos duelos em realidade virtual, mas pecaram na técnica e na execução.
— trecho de O Druida Lendário, escrito por Raphael Fiamoncini
Uma descrição de evento se confunde bastante com uma narração resumitiva. Diferente de outros tipos de descrições, uma descrição de eventos tem um intuito de tirar um retrato de um evento que ocorreu no passado, que acabou de ocorrer no presente ou que poderia ocorrer no futuro, detalhando geralmente, mais de um aspecto. Já na narração resumitiva ocorre uma sucessão de eventos, no plural, não focando apenas em uma.
Era o primeiro dia do garoto após o fim do seu tempo de treinamento. Diferente do que esperava, o trabalho era simples e precisava apenas ficar em guarda durante a tarde. Ninguém era louco o bastante de tentar entrar na área nobre para cometer crimes, afinal, era o local onde uma heroína estava sendo mantida.
— trecho de Dahlia: A Garota Lunar Reencarnada, escrito por RenCmps
No parágrafo acima, um pequeno retrato de um pequeno passado do personagem é apresentado. Parágrafos descritivos de evento podem tanto apresentar os aspectos de um evento importante da história como também aspectos específicos ou rotineiros de alguns personagens, locais ou objetos, tratando-se de um grande adjetivo. Enquanto que nos outros tipos os adjetivos empregados tendem a se relacionar com os 5 sentidos, aqui os adjetivos se relacionam com os eventos: um trabalho simples, um duelo difícil, uma viagem longa, uma festa incrível, uma batalha sangrenta…
Por fim, a descrição possui um papel fundamental na escrita já que é a única forma de o leitor conseguir imaginar uma cena, um personagem, um local ou um objeto. A descrição e a narração complementam um no outro e nenhum dos dois pode faltar, a ponto de confundir o leitor, ou exagerar, a ponto de engessar o leitor.
A exposição
O guia continha métodos tanto para encantamento quanto para formações mágicas, mas como o encantamento era o comum e não havia lugar para desenhar as formações, comecei com o padrão.
Parece que quanto mais complicado fosse um feitiço, mais longo seria o tempo proferindo o cântico. Na verdade, feitiços complicadíssimos tinham que ser entoados em conjunto com formações mágicas; isso não era um problema no início, no entanto…
Diz aqui que um mago habilidoso poderia usar magia sem cantá-la.
É o que chamam de sem cântico ou cântico curto.
— trecho de Mushouku Tensei, Rifujin na Magonote
Começando com esse exemplo de Mushoku, dá para se notar as diferenças que a exposição tem em relação à narração e à descrição. A parte expositiva do texto não possui um ponto de vista ou momento definido. A exposição trata de informação pré-obtida que não possui referência no enredo da história, mas sim no worldbuilding. O guia, neste exemplo, representa algumas páginas do próprio worldbuilding.
É claro que elementos do worldbuilding vão influenciar no desenvolvimento da história, senão nem faria sentido tê-los no worldbuilding, mas a questão é se um elemento é apresentado como parte da história ou se apenas influencia na história.
De forma simples, um elemento do worldbuilding que é citado na história é uma exposição. A citação pode ser direta, ficando com uma estrutura parecida com a da descrição, ou pode ser indireta, com os elementos integrados à narração. De todo modo, a exposição pode abranger os seguintes tópicos principais:
- História e Contexto:
- Apresentação da Era: Através de diálogos, descrições ou datas, o autor pode situar o leitor no tempo, apresentando a era em que a história se passa. Isso pode ser feito mencionando eventos históricos relevantes, costumes da época ou até mesmo a tecnologia predominante e arquitetura.
- Lendas e Mitos: Histórias folclóricas, contos de fadas ou lendas podem ser contados por personagens ou narrados pelo autor, revelando a mitologia e as crenças do mundo.
- Profecias e Presságios: Profecias antigas ou presságios mencionados pelos personagens podem criar um clima de suspense e mistério, além de dar pistas sobre eventos futuros da história.
- Ruínas e Artefatos: Descrições de ruínas antigas, monumentos ou artefatos podem revelar aspectos da história passada do mundo, seus conflitos, conquistas ou civilizações perdidas.
- Aspectos Físicos:
- Paisagens Vivas: Através de descrições vívidas e sensoriais, o autor pode transportar o leitor para diferentes paisagens do mundo, seja um deserto árido, uma floresta exuberante ou uma cidade futurista. Nisso há coincidência com a descrição, mas pode ser alternado entre informações sensoriais e informações de fundo.
- Mapas e Cartas: A inclusão de mapas ou cartas no livro pode auxiliar na visualização da geografia do mundo e na compreensão da jornada dos personagens.
- Condições Climáticas: O clima pode ser utilizado para criar atmosfera e tensão na história. Tempestades, nevascas ou climas extremos podem representar desafios para os personagens ou simbolizar eventos importantes da trama.
- Flora e Fauna Únicas: A descrição de plantas e animais inexistentes na realidade pode despertar a curiosidade do leitor e enriquecer o mundo ficcional.
- Culturas e Sociedades:
- Tradições e Costumes: Através da descrição de costumes, festivais, rituais ou feriados, o autor pode revelar aspectos importantes da cultura das diferentes sociedades do mundo.
- Línguas e Dialetos: A criação de línguas ou dialetos próprios para diferentes povos ou regiões pode dar mais verossimilhança ao mundo e aprofundar a imersão do leitor.
- Vestimentas e Adereços: A descrição de vestimentas, penteados, adereços e outros elementos visuais pode revelar costumes, status social ou até mesmo crenças religiosas dos personagens.
- Comidas e Bebidas: A menção a pratos típicos, especiarias ou bebidas regionais pode contribuir para a construção da identidade cultural de um povo.
- Arquitetura e Construções: A descrição de diferentes estilos arquitetônicos, desde casas simples até grandiosos castelos, pode revelar o nível tecnológico, a cultura e a história das civilizações do mundo.
- Elementos Mágicos ou Tecnológicos:
- Sistemas Mágicos: O autor pode explicar as regras da magia no mundo, detalhando suas fontes, efeitos, limitações e os diferentes tipos de feitiços.
- Funcionamento da Tecnologia: A tecnologia futurista ou elementos mágicos complexos podem ser explicados através de diálogos entre personagens, manuais ou pesquisas realizadas pelos protagonistas.
- Impacto na Sociedade: O autor pode explorar como a magia ou a tecnologia impactam a vida das pessoas, influenciando a economia, a política, a cultura e até mesmo os relacionamentos entre os personagens.
- Criaturas e Espécies:
- Descrição Detalhada: Criaturas fantásticas ou animais únicos devem ser descritos com detalhes vívidos, incluindo sua aparência física, comportamento, habitat e papel no ecossistema.
- Comportamento e Inteligência: O autor pode explorar a inteligência, o comportamento social e as relações entre as diferentes espécies do mundo.
- Mitologia e Lendas: Criaturas lendárias podem estar presentes em mitos, lendas ou contos contados pelos personagens, enriquecendo o folclore do mundo.
- Detalhes e Coesão:
- Casual e Cotidiano: Muitas vezes, os detalhes mais reveladores sobre um mundo estão nas pequenas coisas. O que as pessoas comem no café da manhã? Como elas se cumprimentam? Como se locomovem? Esses detalhes aparentemente banais podem trazer vida ao mundo e torná-lo mais crível para o leitor.
- Mostre, Não Diga: Sempre que possível, evite a exposição direta de grandes quantidades de informações. Deixe o leitor descobrir o mundo através das ações e interações dos personagens. Por exemplo, em vez de explicar o sistema de governo em uma infodump, mostre um julgamento em tribunal, uma assembleia política ou mesmo os efeitos causados pelas ações do governo.
Esses são apenas os principais, considerando que um worldbuilding pode conter inúmeros elementos.
Devo explicar também que há um ledo engano entre um texto expositivo e um texto explicativo. Os dois tipos de texto podem coincidir em alguns pontos na narrativa, mas são textos com estruturas diferentes e propósitos diferentes.
Enquanto o texto expositivo serve para expor ao leitor os elementos presentes no worldbuilding, o texto explicativo extrapola a exposição em direção a persuasão, isto é, informar ao leitor o que resultou do elemento estático do worldbuilding ou as possibilidades que aquele elemento pode produzir.
“A Serpente das Sombras é uma criatura gigante que habita cavernas profundas. Seu corpo é coberto por escamas negras que refletem a luz, tornando-a quase invisível na escuridão. Ela se move silenciosamente e ataca com veneno paralisante, liberado tanto pelas presas quanto pela cauda. No entanto, suas escamas têm falhas em torno do pescoço, onde uma luz intensa pode cegá-la temporariamente. Para derrotá-la, seria necessário atrair a Serpente para fora da escuridão, utilizando tochas ou cristais de luz, e então desferir um golpe certeiro no ponto vulnerável antes que ela recupere a visão e ataque novamente.”
É perceptível que o final do parágrafo, iniciado por “Para derrotá-la”, se trata de explicação, que persuade o leitor sobre uma possibilidade futura, um spoiler das ações dos personagens. A explicação também oferece uma ligação entre a informação exposta e o enredo, dando utilidade àquele elemento do worldbuilding. E isso faz parte da persuasão.
A persuasão
Assim como um texto explicativo pode ser utilizado com propósito de persuasão, como no exemplo anterior, há vários tipos de textos que podem ser utilizados para representar esta abordagem que explico por último, mas que talvez seja a abordagem mais importante de todas.
Vamos tomar como ponto de partida um elemento clássico: O Discurso do Vilão. Presente em várias obras literárias, filmográficas ou animadas, O Discurso do Vilão é um representante explícito da abordagem persuasiva em obras ficcionais, pois seu objetivo principal é convencer outros personagens — e muitas vezes o próprio leitor — da validade ou justificativa das ações do vilão.
Embora ele também possa conter elementos expositivos (para relatar fatos), descritivos (para ambientar ou ilustrar cenários) e narrativos (para recontar eventos), a essência persuasiva está no esforço de legitimar ou racionalizar suas motivações.
Esse tipo de discurso, como também outros dessa abordagem, podem se valer de algumas técnicas persuasivas, tais como:
- Justificação moral ou pragmática: O vilão tenta explicar por que suas ações são necessárias ou inevitáveis, apelando à lógica, à emoção ou até a ideais distorcidos.
- Exemplo: Em V de Vingança, o vilão, V, explica que suas ações destrutivas visam combater um regime opressor, justificando sua violência como um mal necessário para a liberdade.
- Manipulação emocional: Muitos vilões tentam provocar empatia ou questionamento, justificando sua crueldade como uma resposta ao sofrimento pessoal ou injustiça.
- Exemplo: Em O Cavaleiro das Trevas, o Coringa manipula Batman e o público ao explicar que a sociedade é hipócrita e que qualquer um pode “quebrar” sob pressão.
- Tentativa de convencimento direto: Em certos casos, o vilão busca persuadir o herói a mudar de lado ou aceitar suas ideias, tornando o discurso explicitamente persuasivo.
- Exemplo: Darth Vader em Star Wars tenta convencer Luke Skywalker a se juntar ao lado sombrio argumentando que juntos poderiam “restaurar a ordem” na galáxia.
Na verdade, Discurso do Vilão é uma mistura de abordagens com sua essência persuasiva, já que o vilão busca justificar suas ações e, de certo modo, conquistar adesão, empatia ou compreensão. Essa abordagem é crucial para humanizar vilões, tornando-os mais complexos e multifacetados, o que é um elemento central da ficção contemporânea.
Mas por que a persuasão é tão importante assim em uma obra? Eu não posso só contar as lutas fodas e batalhas épicas os quais meu personagem vai enfrentar? Isso não seria o suficiente?
Eu entendo o seu ponto! Lutas épicas e batalhas intensas são super emocionantes e podem definitivamente manter o leitor preso à história. Mas, aqui está o segredo: sem um propósito maior por trás delas, as lutas podem perder o impacto emocional. Quando você constrói uma trama com personagens, temas e ideias que realmente fazem o leitor pensar, as batalhas se tornam muito mais que cenas de ação — elas se tornam partes de uma jornada emocional.
Então, as lutas podem até ser épicas, mas a persuasão, que leva o leitor a refletir e se conectar com os personagens, é o que realmente dá alma à história. Ela não está só nas palavras, mas nas ações e nas escolhas que os personagens fazem, e é isso que faz o leitor não só acompanhar, mas sentir cada momento.
Até mesmo nos filmes de Steven Seagal, que são um exemplo extremo de ação pura, a persuasão ainda desempenha um papel, mesmo que de forma sutil. Esses filmes, como Under Siege ou Hard to Kill, são conhecidos por sua ênfase em combate físico e cenas de ação intensas, sem grandes desenvolvimentos emocionais ou temas filosóficos profundos. No entanto, mesmo nestes filmes de ação direta, a persuasão não desaparece completamente.

Por exemplo, o próprio personagem de Seagal, geralmente interpretando um ex-militar ou policial com habilidades excepcionais, possui uma motivação interna que o leva a agir de forma implacável, seja por vingança, justiça ou proteção de inocentes, um exemplo clássico do romantismo moderno.
Esse motivo persuasivo, ainda que simples, serve para criar um vínculo com o público, tornando o personagem mais do que apenas uma máquina de combate. A persuasão está em como o filme constrói a ideia de que o herói é o único capaz de resolver o problema, seja através de diálogos que confirmam seu caráter inabalável, seja pela exibição de sua força e habilidades que justificam sua ação.
Se você olhar para a estrutura dessas histórias, mesmo sem um grande aprofundamento emocional, você vai perceber que os vilões frequentemente têm uma motivação para suas ações, e o herói, por sua vez, enfrenta essas ameaças de forma justificada e com intenção moral. Não é apenas sobre lutas, mas sobre convencer o espectador de que essas batalhas valem a pena e que, de alguma forma, há uma razão para que o herói esteja fazendo o que faz.
Acho que, no fim, a persuasão é o que transforma a história em algo mais que apenas ação — ela faz com que o leitor leve a história para casa, pensando sobre ela muito tempo depois de terminar o livro!
Após esse longo discurso persuasivo meu para te convencer a trabalhar com persuasão em tuas obras, vamos à exposição das principais técnicas utilizadas na abordagem persuasiva:
1. Apelo à Lógica (Logos)
Personagens apresentam raciocínios ou explicações racionais para convencer outros.
“Quando você elimina o impossível, o que sobra, por mais improvável que seja, deve ser a verdade.”
— Sherlock Holmes em O Cão dos Baskervilles de Arthur Conan Doyle
Holmes convence Watson e os leitores com deduções imbatíveis, baseadas em fatos e lógica.
2. Apelo à Emoção (Pathos)
Explora sentimentos do interlocutor ou público, como compaixão, raiva ou medo.
“Roubei por fome, e a prisão me fez pior do que um ladrão. O que mais um homem pode ser quando o mundo o rejeita?”
— Jean Valjean, em Os Miseráveis, de Victor Hugo, ao apelar para o bispo que o acolheu
Esse apelo à empatia e compaixão desarma tanto o bispo quanto o leitor.
3. Apelo à Credibilidade (Ethos)
O personagem utiliza sua autoridade ou reputação para persuadir.
“Minhas credenciais como bruxo já foram questionadas antes, e cada vez elas foram comprovadas. Pergunto novamente: estamos aqui para fazer justiça ou manter aparências?”
— Dumbledore em Harry Potter e a Ordem da Fênix, de J.K. Rowling, ao confrontar a Suprema Corte dos Bruxos
Dumbledore reforça sua posição como uma figura confiável e moralmente íntegra.
4. Repetição
Reiterar palavras ou ideias para fixar conceitos.
“Guerra é Paz. Liberdade é Escravidão. Ignorância é Força.”
— em 1984, de George Orwell
Essas frases repetidas condicionam os cidadãos de Oceania a aceitar a ideologia do partido.
5. Perguntas Retóricas
Questões que instigam o público sem exigir resposta direta.
“Ser ou não ser, eis a questão.”
— em Hamlet, de William Shakespeare
Hamlet não espera uma resposta, mas provoca reflexão profunda sobre a existência.
6. Comparação ou Analogia
Relacionar ideias complexas com conceitos familiares.
“Os homens ocupam muito espaço porque se acham importantes, como baobás num pequeno planeta.”
— em O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry
O autor usa a comparação com baobás para ilustrar os efeitos negativos do ego humano.
7. Generalização
Apresenta afirmações amplas que soam como verdades universais.
“Todo homem tem algo que teme, e o que nos une é a certeza de que o medo está sempre à espreita.”
— em Drácula, de Bram Stoker
Drácula usa essa generalização para justificar sua dominação sobre os humanos.
8. Apelo ao Medo ou Urgência
Criar senso de perigo para motivar ações.
“Se o Um Anel cair nas mãos de Sauron, toda a Terra-média estará condenada. Não há tempo a perder.”
— em O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien, Gandalf alerta Frodo
Esse apelo cria urgência e motiva Frodo a assumir a missão.
9. Uso de Evidências ou Testemunhos
Apresentar fatos ou relatos concretos para convencer.
“Olhe para mim: fui feito por suas mãos, moldado para ser rejeitado. Nenhuma criatura foi tão abandonada por seu criador.”
— em Frankenstein, de Mary Shelley, o monstro justifica sua raiva
O monstro usa evidências de sua existência como prova para culpar Victor.
10. Apelo à Tradição ou Valores Culturais
Evocar princípios fundamentais para justificar decisões.
“Os Starks governam o Norte por gerações porque acreditamos na honra acima de tudo. É isso que nos mantém unidos.”
— em A Guerra dos Tronos, de George R.R. Martin, Ned Stark
Ned reforça valores tradicionais como justificativa para sua liderança.
11. Inversão de Culpa ou Vitimização
Deslocar a culpa para terceiros ou assumir o papel de vítima.
“Eu não quebrei Daisy; foi Tom que a tornou amarga. Eu só tentei salvá-la.”
— em O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, Gatsby explica
Gatsby usa essa técnica para justificar sua obsessão por Daisy e ganhar simpatia.
12. Uso de Paradoxos ou Contradições
Propor ideias aparentemente contraditórias para gerar reflexão.
“Às vezes é preciso correr para permanecer no mesmo lugar.”
— em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, o Chapeleiro Maluco afirma
Esse paradoxo força Alice (e o leitor) a repensar as convenções.
13. Histórias e Exemplos Narrativos
Contar uma história para ilustrar ou reforçar um ponto.
“Naquela noite, o mercador soube que o perdão era a única saída, pois a vingança jamais saciaria sua dor.”
— em As Mil e Uma Noites, Xerazade convence o rei com suas histórias
Suas narrativas criam impacto emocional e levam o rei a repensar seus atos.
14. Justificação Narrativa
Pequenos apelos lógicos ou emocionais, também podendo ser chamada de micropersuasão, que conecta ação do personagem ao enredo.
“Elizabeth sabia que sua recusa era imprudente, talvez até cruel, mas sua dignidade não permitiria outra resposta a alguém tão presunçoso quanto Mr. Darcy.”
— em Orgulho e Preconceito, de Jane Austen
O narrador justifica as ações de Elizabeth, moldando a percepção do leitor para aceitá-las como legítimas, apesar das possíveis consequências negativas. A justificação narrativa trabalha nos detalhes para moldar a percepção do leitor sobre a coesão narrativa.
E agora eu que te pergunto: de onde é que você vai tirar as ideias que serão aplicadas nesses trechos persuasivos?
A resposta está em outra matéria, a qual você já pode ter tido contato ou não: tema, temática e mensagem.
São conceitos interligados, mas com diferenças sutis, que desempenham um papel fundamental na construção de qualquer obra literária.
- Tema é o assunto central da obra, o tópico sobre o qual a narrativa gira. Pode ser algo amplo, como “amizade”, “justiça”, “poder” ou “liberdade”, que se desdobram ao longo da história. O tema define o campo de exploração das ideias da obra.
- Temática refere-se à maneira como o tema é tratado ou abordado na obra. É o conjunto de tópicos, questões e perspectivas que a obra oferece sobre o tema. Enquanto o tema é o núcleo, a temática é a forma como esse núcleo é desenvolvido ao longo da narrativa.
- Mensagem é a conclusão ou o ensinamento que a obra tenta transmitir ao seu público. Ela é frequentemente um reflexo da postura do autor em relação ao tema ou à temática e pode ser explícita ou implícita. No contexto da abordagem persuasiva, a mensagem busca influenciar ou mudar a opinião do leitor sobre algo.
Em relação à abordagem persuasiva, esses três conceitos se interconectam. A obra utiliza a abordagem persuasiva para comunicar uma mensagem específica sobre seu tema ou temática de maneira que o autor busca influenciar ou convencer o público de um ponto de vista ao longo da história, seja em diálogos, monólogos ou através da construção da narrativa, reforçando um argumento moral, ético ou prático relacionado ao tema.
Em resumo, o autor usa a abordagem persuasiva para entregar a mensagem sobre a temática e, por meio disso, expressar o tema central da obra de maneira eficaz.
O diálogo
Eu sei que disse que a abordagem persuasiva seria o último, mas eu não poderia deixar de mencionar sobre a abordagem dialógica, ou a abordagem por diálogo.
A grosso modo, o diálogo entre os personagens por si só pode ser considerado uma abordagem dialógica, podendo conter em suas falas todas as outras abordagens, a narrativa, a descritiva, a expositiva e a persuasiva.
No entanto, a abordagem dialógica é caracterizada pela troca de ideias, reflexões e questionamentos entre os personagens, frequentemente usando o diálogo como a principal ferramenta de desenvolvimento de enredo e interação.
Ao contrário de outras abordagens, como a narrativa, onde o foco está na história e nos eventos que se desenrolam, ou a descritiva, que prioriza a ambientação e os detalhes, a abordagem dialógica centra-se nas relações entre personagens, suas interações verbais e, muitas vezes, nos conflitos ideológicos que surgem durante essas trocas.
Há um papel fundamental na qual o diálogo é imprescindível em qualquer história: a comunicação. Assim como o autor se comunica com o leitor através da história, isso ocorre também entre os personagens. E a comunicação por si só pode se tornar uma força motriz para os eventos do enredo.
Sim, uma fala ou uma conversa pode desencadear uma sequência de ações dos personagens. Vamos ver como isso funciona:
— Então, seguimos com o plano. Atacamos a torre ao amanhecer.
— Espere, você não sabe de tudo. A torre é uma armadilha.
— O quê? Como assim?
— Descobri que eles esperam por nós. Há explosivos no caminho. Se formos agora, não sairemos vivos.
— Por que você não disse isso antes?
— Eu precisava ter certeza. Ouvi dizer que há outra entrada, pelos túneis. É nossa única chance.
— Túneis? Certo, vamos mudar o plano. Mostre o caminho.
No exemplo acima, o segundo personagem tinha uma informação que só poderia ser revelada pelo diálogo. Mesmo que tentasse escrever este trecho na forma de narração, ainda teria um diálogo em forma de discurso indireto.
— Por que você não atende mais minhas ligações? O que está acontecendo?
— Porque eu precisava de tempo para pensar, só isso.
— Pensar sobre o quê? Achei que estávamos bem.
— Eu não podia continuar escondendo isso de você. Não é justo.
— Escondendo o quê?
— Lembra daquela noite em que você estava preso no trabalho? Eu… encontrei o Lucas.
— Lucas? Você me disse que ele tinha ido embora.
— Ele voltou, e eu… percebi que ainda sinto algo por ele.
— Então, é isso? Você vai desistir de nós por alguém do seu passado?
— Eu não sei. É isso que eu estava tentando entender. Mas precisava ser honesta com você.
Já nesse trecho o que mudou após o diálogo é a relação entre os dois personagens.
Veja bem, ultimamente tenho notado muitos perfis de fofoca no Tiktok que se dividem em 2 formatos:
- Apenas derramam opiniões acerca de um assunto com conteúdo totalmente original.
- Mesclam opiniões com gravações e evidências editadas.
Eu fico é puto com o 1º formato! Ele não mostra nada do que aconteceu. É tudo de forma indireta apenas pelas conclusões de quem opina. Eu prefiro muito mais fofocas que incluam conteúdos do próprio assunto, como prints, posts e gravações para que eu possa testemunhar com meus próprios olhos e ouvidos.
Eu creio que todo mundo odeia a meia fofoca, então por que faríamos isso na escrita? Vamos ver agora essa diferença:
Narração: Ele o consolou.
Diálogo:
— Eu sei que dói, mas você não pode deixar isso consumir você.
— Não entende, é como se nada mais importasse.
— Importa, sim. Lembra de tudo que você já conquistou? Você é mais forte do que isso.
— Eu me sino perdido.
— Então deixa que eu te ajude a encontrar o caminho. Você não precisa enfrentar isso sozinho.
É mais longo e toma mais tempo do leitor? Sim. Mas veja a diferença que a escolha pela abordagem dialógica do que a narrativa faz.
Portanto, a abordagem dialógica é única por sua ênfase na interação verbal e na troca de perspectivas, usando o diálogo não apenas como ferramenta de comunicação, mas como motor para o desenvolvimento das ideias e dos conflitos internos dos personagens.
Ela se diferencia de outras abordagens pela maneira como transforma a fala em um espaço de reflexão e de construção de significado, ao invés de apenas uma forma de relatar ou descrever eventos, apesar de poder inseri-los nas falas.
Diálogos em narrativas servem a múltiplos propósitos, que podem ser agrupados em funções principais. Essas funções são mais 10 motivos que vou te dar para você inserir diálogos em sua trama.
1. Revelação de Personagem
- Objetivo: Mostrar quem são os personagens por meio de suas falas, atitudes e interações.
- Características: Uso de padrões de fala, gírias, tons emocionais, ou informações implícitas.
- Exemplo: Em Orgulho e Preconceito de Jane Austen, Elizabeth Bennet e Mr. Darcy revelam suas personalidades por meio de diálogos tensos e cheios de subtexto.
2. Avanço da Trama
- Objetivo: Fazer o enredo progredir, seja revelando informações cruciais ou introduzindo conflitos.
- Características: O diálogo frequentemente contém elementos expositivos ou ações implícitas que mudam o curso da narrativa.
- Exemplo: Em Harry Potter e a Pedra Filosofal, Hagrid explica a Harry sobre sua origem como bruxo, avançando o enredo para o ingresso no mundo mágico.
3. Criação de Conflito ou Tensão
- Objetivo: Gerar drama ou tensão emocional entre personagens, aumentando o engajamento do leitor.
- Características: Uso de desacordos, provocações, segredos revelados ou expectativas frustradas.
- Exemplo: Em Hamlet de Shakespeare, o diálogo entre Hamlet e sua mãe, Gertrude, é cheio de acusações e tensão psicológica.
4. Exposição do Cenário ou Contexto
- Objetivo: Apresentar ao leitor informações sobre o mundo da narrativa ou sobre eventos passados.
- Características: Diálogos expositivos podem ser diretos (explicações claras) ou indiretos (subentendidos).
- Exemplo: Em O Senhor dos Anéis, Gandalf explica a Frodo o perigo do Um Anel, estabelecendo o pano de fundo para a missão.
5. Criação de Realismo
- Objetivo: Tornar a história mais autêntica, simulando o ritmo e a cadência da fala humana.
- Características: Uso de pausas, repetições, interrupções e linguagem coloquial.
- Exemplo: Diálogos de As Vinhas da Ira de John Steinbeck reproduzem fielmente o sotaque e as expressões da classe trabalhadora nos EUA.
6. Estabelecimento de Relações
- Objetivo: Explorar e construir as dinâmicas entre os personagens, como amizade, romance, rivalidade, etc.
- Características: Inclui troca de confidências, provocações ou colaborações que mostram os laços entre personagens.
- Exemplo: Em O Grande Gatsby de F. Scott Fitzgerald, os diálogos entre Gatsby e Nick mostram a complexidade de sua relação.
7. Transmissão de Tema ou Mensagem
- Objetivo: Inserir no diálogo elementos que reflitam o tema principal da obra ou a mensagem do autor.
- Características: Conversas filosóficas, debates morais ou declarações que encapsulam o núcleo temático da narrativa.
- Exemplo: Em Crime e Castigo de Dostoiévski, diálogos entre Raskólnikov e outros personagens debatem temas como culpa, redenção e justiça.
8. Micropersuasão ou Justificação de Ações
- Objetivo: Convencer o leitor de que certas escolhas ou eventos são plausíveis dentro do contexto narrativo.
- Características: Falas que explicam ou racionalizam as motivações dos personagens, mesmo que indiretamente.
- Exemplo: Em Breaking Bad (uma narrativa audiovisual), Walter White frequentemente usa diálogos para justificar suas ações moralmente dúbias.
9. Inserção de Humor ou Alívio Cômico
- Objetivo: Reduzir a tensão da narrativa, introduzindo um elemento leve ou engraçado.
- Características: Trocas espirituosas, ironia ou sarcasmo.
- Exemplo: Os diálogos de Ron Weasley em Harry Potter frequentemente servem como alívio cômico em momentos de tensão.
10. Preparação de Reviravoltas (Foreshadowing)
- Objetivo: Plantar pistas sutis sobre acontecimentos futuros, preparando o leitor para reviravoltas.
- Características: Uso de ambiguidades ou falas aparentemente inocentes, mas que ganham significado posteriormente.
- Exemplo: Em Game of Thrones, os diálogos muitas vezes contêm referências veladas a traições e mortes futuras.
Essas funções podem se sobrepor em um único diálogo, dependendo do objetivo do autor. Por exemplo, um diálogo entre dois personagens pode avançar a trama enquanto cria tensão emocional e transmite o tema central da obra. Cada função contribui de forma única para enriquecer a narrativa e engajar o leitor.
Aspectos gramaticais nas abordagens
As cinco abordagens — narrativa, descritiva, expositiva, persuasiva e dialógica — podem ser analisadas em termos gramaticais com base nas estruturas linguísticas que predominam em cada uma delas. A seguir está uma síntese das características gramaticais de cada abordagem:
1. Abordagem Narrativa:
- Estruturas verbais: Uso predominante de tempos verbais no pretérito (passado), como o pretérito perfeito (“ele fez”) e pretérito imperfeito (“ele fazia”), pois a narração geralmente conta eventos passados.
- Pronomes pessoais: Os pronomes pessoais do discurso direto (como “eu”, “ele”, “ela”, “eles”) são comuns, para manter o foco nos personagens e em suas ações.
- Sequência de ações: A estrutura gramatical reflete uma sequência de acontecimentos, com uso de orações subordinadas temporais (“quando ele chegou, a porta estava aberta”) e orações coordenadas que indicam a progressão dos fatos.
- Exemplo: “Ele caminhava pela rua, olhando ao redor, até que viu um vulto se aproximando.”
2. Abordagem Descritiva:
- Adjetivos e advérbios: Há um uso intensivo de adjetivos e advérbios para qualificar e caracterizar os elementos descritos. Exemplos: “grande”, “sombrio”, “lentamente”, “delicadamente”.
- Substantivos concretos e abstratos: A abordagem foca em descrever objetos, ambientes e estados, usando substantivos para caracterizar cenas ou sentimentos de forma detalhada.
- Frases nominalizadas: As frases muitas vezes se concentram mais em qualidades e características do que em ações, o que resulta em nominalizações ou orações adjetivas (“o céu nublado”, “a cor da madeira”).
- Exemplo: “O jardim estava repleto de flores coloridas, cujas pétalas dançavam suavemente com a brisa.”
3. Abordagem Expositiva:
- Frases claras e objetivas: Uso de orações declarativas, com um foco na explicação e esclarecimento de ideias. Há também o uso de conectivos lógicos como “portanto”, “por exemplo”, “assim”, “porque”.
- Construções sintáticas: Estruturas sintáticas simples ou compostas são usadas para expor e organizar a informação de forma didática, com ênfase na clareza e na objetividade.
- Vocabulário técnico ou conceitual: Frequentemente utiliza-se termos técnicos ou precisos, dependendo do campo de conhecimento.
- Exemplo: “No coração das Terras Cinzentas, a magia opera segundo um princípio conhecido como o Fluxo Arcano. Esse fluxo é uma energia invisível que permeia todas as coisas vivas e inanimadas. Assim, magos habilidosos conseguem canalizar o Fluxo ao conjurar feitiços, utilizando palavras antigas e gestos específicos. Por exemplo, o feitiço de iluminação, ‘Luxen’, manipula o Fluxo para criar luz em locais sombrios. No entanto, o uso excessivo dessa energia pode desequilibrar a harmonia natural do mundo, porque o Fluxo é finito e sua regeneração depende do ciclo lunar. Portanto, magos aprendem a usá-lo com cuidado, evitando consequências desastrosas.”
4. Abordagem Persuasiva:
- Apelos emocionais: Uso de vocabulário emotivo para evocar reações emocionais no receptor, como adjetivos e verbos que expressam sentimentos intensos ou urgência (“urgente”, “desesperado”, “você não pode perder”).
- Estrutura argumentativa: A construção de argumentos que visam convencer, com ênfase em orações causais (“Porque você precisa”, “Se você não fizer, isso vai acontecer”).
- Imperativos: Frequentemente, o discurso persuasivo é marcado por imperativos, que buscam incitar ação diretamente no receptor (“Aja agora!”).
- Exemplo: “Não posso perder essa chance! Só eu posso mudar minha vida para melhor, e este é o momento!”
5. Abordagem Dialógica:
- Troca de falas: A estrutura de diálogo é predominante, com intercâmbio direto entre os personagens. Frequentemente, as falas são curtas e diretas, com pouco uso de interjeições.
- Uso de perguntas e respostas: O foco está na interatividade, com muitos questionamentos e respostas que revelam o pensamento dos personagens. Isso pode incluir frases como “Por quê?” ou “O que você quer dizer com isso?”.
- Pronomes de tratamento e vocativos: Os pronomes pessoais e vocativos são usados para criar intimidade e destacar a relação entre os personagens, além disso indicar o próximo interlocutor para o leitor.
- Interjeições: característica da língua falada, as interjeições aparecem com mais frequência nos diálogos.
- Travessão ou marca de discurso direto: faz-se sempre necessário a sinalização do discurso direto de forma unânime na obra.
- Exemplo: “— Você sabia que ela estava voltando?— Sim, mas não pensei que fosse tão cedo.”
Essas abordagens podem se sobrepor ou se misturar, mas cada uma delas possui características gramaticais que definem sua estrutura e função principal na comunicação. A narrativa, por exemplo, busca movimentar a ação; a descritiva, detalha e qualifica o ambiente ou personagens; a expositiva esclarece e ensina; a persuasiva incita a ação; e a dialógica envolve a interação entre os personagens, criando um espaço de troca e desenvolvimento.
Estrutura de Parágrafos
Construindo um parágrafo peça a peça
Agora que já conhecemos os ingredientes (abordagens) que vamos colocar em nossos parágrafos, vamos estudar agora a como colocar tais ingredientes em seus devidos lugares.
A estrutura paragrafal na ficção é fascinante porque é extremamente flexível, mas ainda assim segue princípios que ajudam a narrativa a fluir de forma coesa e envolvente.
A parte interessante é que no nosso ramo não temos a clássica do começo, meio e fim, mas temos sim 3 partes do parágrafo em que temos que trabalhar. E vamos começar a falar pelo Tópico Frasal que já mencionei antes.
1. O Tópico Frasal
O tópico frasal é como o “coração” do parágrafo — ele indica a ideia central ou o propósito daquele trecho. A nossa escolha após tê-lo feito naqueles 3 passinhos do começo é decidir onde colocá-lo:
Explícito no começo:
O parágrafo já começa com a ideia principal bem definida.
Exemplo: “A floresta era perigosa.”
Aqui, o leitor já sabe que o parágrafo provavelmente detalhará essa ideia, seja narrando um evento na floresta, descrevendo o perigo ou explicando por que ela é temida.
Implícito:
O parágrafo não declara a ideia principal, mas a constrói gradualmente, forçando o leitor a inferir.
Exemplo: “As árvores estavam curvadas, como se carregassem um peso invisível. Cada som ecoava, multiplicando a sensação de que algo estava errado.”
O tópico aqui é “a floresta é assustadora”, mas ele não é dito diretamente.
Lembra do parágrafo do Bruno derrotando um bandido no beco?
“O beco escuro era um labirinto de sombras, com lixo amontoado e ratos correndo entre os pés de Bruno. O suor escorria pela sua testa enquanto ele avançava cautelosamente, apertando a faca na mão. Um barulho metálico ecoou no silêncio, e Bruno se agachou atrás de uma caixa de lixo enferrujada. Um vulto surgiu da escuridão, empunhando um cassetete. Bruno saltou, esquivando-se do golpe e acertando um chute no estômago do bandido. O homem dobrou-se de dor, e Bruno aproveitou para desferir um golpe certeiro na têmpora. O bandido caiu no chão inconsciente. Bruno respirou fundo, e o coração batia descompassado.”
A ausência de tópico frasal aqui é justamente por causa da sequência de ações que muda o significado a cada frase e não pode ser revelado pelo suspense.
No meio ou no fim:
Às vezes, o tópico surge após alguma contextualização, ou aparece no fim para surpreender o leitor.
Exemplo: “Eles caminhavam há horas, atentos a cada movimento entre os galhos. Então viram os olhos — dezenas deles, brilhando na escuridão.”
O tópico aqui — “há algo perigoso na floresta” — só é revelado no fim.
2. O Desenvolvimento
Essa é a parte mais longa e trabalhada do parágrafo, onde o escritor dá suporte à ideia principal. No desenvolvimento, você pode:
- Narrar eventos: “O primeiro passo foi hesitante, mas logo a adrenalina os fez correr pela trilha sinuosa.”
- Descrever detalhes: “O chão estava coberto por folhas podres, e um cheiro ácido pairava no ar.”
- Expor explicações ou reflexões: “Era comum ouvir histórias de viajantes desaparecidos. Alguns acreditavam que a floresta era assombrada.”
O desenvolvimento é onde a abordagem (narrativa, descritiva, expositiva ou persuasiva) realmente brilha.
3. A Conclusão
A conclusão de um parágrafo na ficção não é tão formal como em textos acadêmicos, mas é essencial para a fluidez da leitura. Ela pode:
- Fechar o assunto: “Eles seguiram o caminho de volta, certos de que nunca mais retornariam àquele lugar amaldiçoado.”
- Criar suspense: “Mas, enquanto saíam, algo os observava de dentro da escuridão.”
- Conectar com o próximo parágrafo: “Era apenas o começo de uma jornada que mudaria suas vidas para sempre.”
Essa parte dá ao leitor uma sensação de fechamento ou impulso para continuar. Ela não precisa ser exatamente uma frase completa e pode inclusive ser parte do tópico frasal. Inclusive pode ser fragmentada.
“Ele correu pela trilha; o som de passos o perseguindo; o vento frio cortando sua pele como navalhas. A lua cheia iluminava o caminho, mas não o suficiente para revelar o que se movia entre as árvores. Havia um sussurro, quase humano, mas inumano. Algo estava próximo. Tão próximo que ele sentiu o calor de sua respiração antes de…”
Um parágrafo com conclusão fragmentada pode criar suspense, mistério ou ambiguidade ao deixar ideias inacabadas ou pistas para o leitor completar mentalmente.
Por que essa estrutura é tão livre na ficção?
Como disse anteriormente, na ficção em geral a estrutura dos parágrafos não seguem necessariamente a ordem em que o tópico frasal, o desenvolvimento e a conclusão se apresentam.
A ficção é mais livre do que textos técnicos porque precisa criar emoção, não apenas transmitir informações. Por isso, escritores podem brincar com essas partes para criar efeitos narrativos.
Um parágrafo pode começar com desenvolvimento, seguido da conclusão e finalizar com o tópico frasal. A ordem na estrutura paragrafal não é rígida.
“A noite era silenciosa, mas cheia de promessas sombrias. Ele andava rápido, sentindo que o peso de suas escolhas o seguia, invisível, mas constante. Cada passo parecia um eco de seus próprios arrependimentos.”
Você já sabe agora identificar cada uma das abordagens presentes no parágrafo acima, mas saberia identificar o tópico frasal, o desenvolvimento e a conclusão dele? Saberia identificar a ideia desse parágrafo?
Esse parágrafo utiliza a abordagem narrativa, introduzindo elementos descritivos e persuasivos. O tópico frasal é “Ele andava rápido…”, desenvolvido em “Cada passo ecoava seus arrependimentos”. A frase inicial, “A noite era silenciosa…”, atua como introdução e conclusão, conectando som e distância.
O som evolui gradualmente: do silêncio da noite ao eco dos passos. Paralelamente, a perspectiva se estreita: do ambiente ao personagem, culminando em sua introspecção. Isso justifica a ordem.
A estrutura de um parágrafo influencia como o leitor experimenta a história. Parágrafos bem construídos criam ritmo, enfatizam momentos importantes e garantem que o leitor esteja emocionalmente engajado. Além disso, essa flexibilidade permite ao autor controlar como as informações são reveladas, aumentando o impacto da narrativa.
No fim, pense no parágrafo como uma peça de um quebra-cabeça maior: ele tem seu propósito único, mas precisa se conectar harmoniosamente ao que vem antes e depois.
Composição de Parágrafos
Desconstruindo o parágrafo
Além das 3 partes de um parágrafo, a estrutura de um parágrafo não se define apenas com a ordem ou presença delas.
Assim teríamos que, nós escritores, nos virar nos 30 para desenvolvermos e concluirmos cada um dos milhares de parágrafos que escrevemos. Mas, sim, temos que ter essa habilidade bem desenvolvida, porém com mais alguns truques na manga para nos auxiliar.
A variação estrutural de parágrafos contribui para a fluidez e ritmo narrativo, sendo uma ferramenta que os autores utilizam para manipular o fluxo de ideias. A estrutura pode ser classificada como completa, fragmentada, distribuída ou encadeada, com base em como a ideia central (tópico frasal, desenvolvimento e conclusão) é organizada e apresentada.
O Parágrafo Completo
Um parágrafo que contém completamente um tópico frasal, um desenvolvimento e uma conclusão é o que chamamos de parágrafo completo. Ele é um texto autossuficiente, digno de printar e mostrar para seus amigos.
“Carlos não conseguia acreditar no que acabara de ouvir. A proposta de demissão voluntária pegou todos de surpresa, mas, para ele, o choque foi ainda maior. Afinal, investira os últimos dez anos da sua vida naquela empresa, sacrificando finais de semana, feriados e até aniversários de família. Sentiu uma mistura de raiva e frustração, mas logo percebeu que essa era a chance que precisava para finalmente abrir seu próprio negócio. Pela primeira vez em muito tempo, ele enxergou o desconhecido não como uma ameaça, mas como uma oportunidade de recomeçar.”
- Tópico Frasal: “Carlos não conseguia acreditar no que acabara de ouvir.”
- Introduz o conflito central do parágrafo: a surpresa de Carlos ao ouvir a proposta de demissão.
- Desenvolvimento: “A proposta de demissão voluntária pegou todos de surpresa (…) investira os últimos dez anos da sua vida naquela empresa (…)”
- Aprofunda o contexto, desenvolvendo as emoções de Carlos e o impacto da situação, com detalhes do seu comprometimento profissional.
- Conclusão: “Pela primeira vez em muito tempo, ele enxergou o desconhecido não como uma ameaça, mas como uma oportunidade de recomeçar.”
- Fecha o parágrafo com uma reflexão e uma mudança de perspectiva, conectando a ideia inicial à resolução.
Esse parágrafo funciona como uma unidade independente, com começo, meio e fim. Ele introduz um conflito, desenvolve as emoções e termina com uma resolução, criando um ciclo narrativo completo dentro de apenas um parágrafo.
Porém, nem toda obra se faz com apenas parágrafos completos.
O Parágrafo Fragmentado
Já mencionei antes o parágrafo fragmentado, em que uma das partes é cortada de propósito para criar um efeito, seja de suspense ou qualquer outro propósito. Vamos ver outro exemplo disso:
“Ela abriu a porta lentamente, o rangido ecoando pela casa vazia. Um cheiro acre de mofo e algo mais — algo metálico — enchia o ar. As luzes não acendiam. Seu coração batia descompassado. Ela deu mais um passo, os dedos trêmulos tocando a parede fria. Um ruído veio de cima. Passos? Não, era algo mais pesado… algo que se arrastava. Ela parou, prendeu a respiração e, de repente, ouviu.”
A fragmentação na conclusão interrompe o fluxo natural da narrativa e gera um momento de tensão máxima, incentivando o leitor a continuar para descobrir o que acontece em seguida. Esse tipo de construção é frequentemente usado em cenas de terror, suspense ou mistério.
Os parágrafos fragmentados apresentam a ideia central em uma estrutura quebrada e não linear. Há interrupções deliberadas na progressão, criando suspense, ritmo acelerado ou dramaticidade.
Não é somente cortar o final, mas também repensar na estrutura toda do parágrafo para que a fragmentação contribua com o tom da cena e o propósito.
“Ele entrou na sala. Fria. Escura. As sombras dançavam nas paredes.O coração dele batia forte.Algo estava errado.”
A ideia aqui é dividida em sentenças curtas, frequentemente em frases e parágrafos menores, deixando lacunas para o leitor.
Vou deixar claro que deve-se ter muito cuidado ao utilizar cada uma dessas variações estruturais, pois cada uma deve ter um porquê de ser usado, não podendo usar desenfreadamente, senão perderia o efeito de contraste (👈 como esse negrito) e perderá seu propósito.
Os Parágrafos Distribuídos
Nos parágrafos distribuídos, a estrutura de uma única ideia é dividida entre dois ou mais parágrafos, sendo que o tópico frasal, desenvolvimento e conclusão podem aparecer em parágrafos diferentes.
“Naquele momento, ele decidiu que não voltaria atrás. Tudo ao seu redor parecia conspirar contra ele: os olhos acusadores, as vozes murmurando, o peso nas costas que aumentava a cada passo. Ainda assim, continuou. Não importavam as consequências. Ele já havia escolhido seu caminho.”
A ideia agora se divide entre parágrafos, criando espaçamento na apresentação da informação e permitindo inclusão de outras informações ou elementos entre as partes. É uma técnica excelente para narrativas com ritmo pausado ou reflexivo, permitindo aprofundamento e nuances.
“Mariana observava os números no extrato bancário. Era um cenário que se repetia mês após mês: entradas escassas, saídas excessivas e o saldo sempre no limite do negativo. Tentava se convencer de que aquilo era normal, que todos passavam por apertos financeiros de vez em quando. Mas, no fundo, ela sabia que algo precisava mudar. O medo de fracassar e a falta de coragem a paralisavam, deixando-a naquele ciclo interminável. Não podia continuar assim.”
Colocar a conclusão em um parágrafo separado cria um impacto dramático, dando ênfase à inevitabilidade da mudança e destacando a urgência do momento.
Esse formato quebra a expectativa do leitor, deixando a ideia final ressoar com mais força, como se fosse um pensamento definitivo e inevitável, convidando a continuar a leitura.
Os Parágrafos Encadeados
Esses são um conjunto coeso no qual uma mesma ideia é desenvolvida ao longo de vários parágrafos, avançando de forma contínua e progressiva. Diferente dos distribuídos, os encadeados têm suas partes conectadas sem lacunas perceptíveis.
“O capitão ergueu a espada, observando o horizonte. A batalha se aproximava, e ele podia sentir o cheiro de pólvora no ar. O navio inimigo surgia lentamente com suas velas rasgadas pelo vento. Gritos ecoaram no convés, enquanto os marinheiros corriam para suas posições. Quando o primeiro tiro de canhão rugiu, o capitão sorriu. Não havia mais volta.”
Aqui a ideia avança linearmente através de parágrafos consecutivos, mantendo a coesão e continuidade da narrativa. É ideal para cenas de ação contínua, descrições longas ou desenvolvimento progressivo de uma situação.
Alternar entre completos, fragmentados, distribuídos e encadeados oferece ao autor uma maneira de controlar o ritmo e a complexidade da narrativa, mantendo o leitor envolvido. Essa variação permite uma escrita dinâmica e adaptada ao propósito narrativo de cada cena ou momento.
Os 4 Princípios do Parágrafo
Apesar de eu estar sempre dizendo que na ficção é diferente, que na novel é tudo liberado, ainda há 4 princípios comuns a todos os parágrafos bem feitos em qualquer gênero textual. São eles:
1. Unidade
Todo o texto de um parágrafo deve estar unido sob a mesma bandeira de um tópico, um tema, uma ideia.
Em parágrafos normais e padrões, isso se dá através do tópico frasal no começo, ou período tópico, em que é necessário que “uma frase” inicie o parágrafo indicando o tópico daquele parágrafo. E então todo o resto do texto detalha esse tópico. Como eu expus na seção anterior, não há uma obrigação do tópico frasal iniciar o parágrafo, e agora digo que tampouco o resto do parágrafo se trataria do detalhamento do tópico.
É aí que mora a liberdade na escrita criativa.
A unidade do parágrafo não é hierárquico em que tudo é subordinado ao tópico frasal, mas deve ser considerado que, ao analisar no final, tudo colaborou a favor do tópico. Vamos ver alguns exemplos de como podemos manipular a estrutura do parágrafo mantendo a unidade paragrafal:
1. Tópico Frasal no Meio do Parágrafo
“Os gritos ecoavam pelos corredores, misturando-se ao som das sirenes. Cada passo de Clara parecia mais pesado, mais incerto. Afinal, fugir não era sua especialidade, mas naquele momento, era sua única escolha. Ela precisava escapar.”
O parágrafo começa com detalhes sensoriais e ações, mas o tópico central implícito, “Clara tentava escapar”, surge no meio. As frases iniciais e finais se alinham ao tópico, sem subordiná-lo. Esse exemplo reforça o que foi dito na seção anterior.
2. Parágrafo em Suspense com Tópico Implícito
“A faca estava sobre a mesa. A janela, entreaberta. O relógio na parede marcava meia-noite. E o silêncio? Ele era ensurdecedor.”
Não há uma frase explícita que funcione como tópico frasal. O tópico implícito, “uma atmosfera de tensão”, emerge da combinação dos detalhes aparentemente desconexos.
3. Conclusão como Tópico Frasal
“Eles finalmente chegaram. Depois de horas enfrentando o frio e os ventos cortantes, o abrigo estava diante deles. Nada mais importava agora — o pior havia ficado para trás.”
O tópico, “Eles finalmente chegaram”, é a conclusão, e todo o parágrafo cria um contexto emocional e físico que culmina nesse ponto.
4. Tópico Focado em Reflexão
“A chave estava na mão dele, e isso deveria bastar. Mas será que bastava? O peso da decisão não estava na porta que abriria, mas no que ficaria para trás.”
O parágrafo mistura ação e reflexão, onde o tópico, “o peso da decisão”, é explorado de forma indireta e introspectiva.
5. Contraposição ao Tópico no Início
“Ela não queria lutar. Cada fibra do seu ser desejava fugir daquele lugar. Mas ali estava ela, espada em punho, encarando o inimigo como se não tivesse escolha.”
O tópico frasal, “Ela não queria lutar”, é contradito pelas ações subsequentes, criando um contraste que reforça a unidade do parágrafo.
6. Detalhamento no Começo e Tópico no Fim
“O calor era sufocante, o ar pesado. As árvores ao redor bloqueavam qualquer brisa. O chão estava seco, rachado. Nada se movia. Era o tipo de lugar onde a esperança ia para morrer.”
O parágrafo inicia com detalhes descritivos e só revela o tópico frasal na conclusão, “o tipo de lugar onde a esperança ia para morrer.”
7. Tópico Deslocado e Fragmentação
“Primeiro, o som de passos. Depois, o tilintar de metal. Por último, a respiração ofegante atrás da porta. Não havia dúvida: alguém estava ali.”
O tópico frasal, “alguém estava ali”, aparece no final, enquanto os fragmentos constroem a tensão que conduz ao tópico.
8. Ação em Vez de Declaração
“Correu. Não olhou para trás. Os galhos arranhavam sua pele, e a escuridão parecia apertar ao seu redor. Não havia como parar agora.”
O parágrafo transmite o tópico “uma fuga desesperada” sem declará-lo explicitamente. As ações unificam o texto sob o mesmo propósito.
9. Unidade por Contraste e Repetição
“Não havia mais ninguém. O salão vazio ecoava a ausência. E, ainda assim, ele podia sentir os olhos invisíveis, observando, esperando, julgando.”
O tópico implícito, “a sensação de ser observado”, é construído por contraste com a ideia inicial de solidão e reforçado pela repetição de “observando, esperando, julgando.”
10. Reflexão Filosófica com Unidade Sutil
“O tempo não para. Mas para ela, naquele momento, parecia congelado. Talvez porque, às vezes, o tempo não é sobre segundos ou minutos, mas sobre escolhas. E a escolha dela estava à espera.”
O tópico frasal, “a escolha dela estava à espera”, surge no fim, enquanto as reflexões criam um pano de fundo filosófico que sustenta o parágrafo.
Esses exemplos mostram que, mesmo com estruturas menos tradicionais, a unidade de um parágrafo pode ser mantida desde que todos os elementos colaborem com o tópico, seja ele explícito ou implícito. A liberdade na escrita criativa permite brincar com essas possibilidades.
2. Ordem
Ordem refere-se à maneira como você organiza as informações nas frases que compõem o seu parágrafo. Quer você escolha ordem cronológica, ordem de importância ou outra apresentação lógica de detalhes, um parágrafo sólido sempre tem uma organização definida.
Em um parágrafo bem ordenado, o leitor acompanha facilmente a história, auxiliado pelo padrão que você estabeleceu. A ordem ajuda o leitor a entender seu significado e evitar confusões. Quando se utiliza, por exemplo, ordem direta ou indireta nas orações, você está organizando a ordem em que o sujeito e o objeto aparecem para o leitor.
Você pode começar o parágrafo com informações que o leitor já conhece e ir adicionando informações novas no decorrer do parágrafo. Você também pode falar de coisas triviais que possam gerar expectativa para o que você vai apresentar no final do parágrafo. A ordem é você como autor que irá definir de acordo com como quer apresentar ao público. Vejamos alguns exemplos de como podemos controlar a ordem dentro de um parágrafo:
1. Ordem Cronológica
Organiza os eventos na sequência em que ocorreram.
“Amanhecia quando Lucas saiu de casa. Ele atravessou o parque vazio, sentindo a brisa fresca no rosto. Pouco depois, entrou na cafeteria da esquina, onde tomou um café forte para começar o dia.”
A ordem segue o fluxo natural do tempo, do amanhecer até o momento em que Lucas toma café.
2. Ordem de Importância
Apresenta informações começando do menos importante ao mais significativo, ou vice-versa.
“Os corredores estavam silenciosos, exceto pelo som de passos distantes. A luz das lâmpadas piscava intermitentemente, aumentando a tensão. Mas o que realmente chamou sua atenção foi a porta aberta no final do corredor, de onde vinha uma leve brisa e um brilho estranho.”
Detalhes menores (sons, luzes) são apresentados primeiro, culminando no detalhe mais importante (a porta aberta).
3. Ordem Direta (Sujeito antes do Objeto)
Coloca o sujeito no início da frase, seguido pelo objeto.
“Maria segurou a carta com firmeza. A mensagem escrita à mão trazia uma decisão que mudaria tudo. Ela dobrou o papel cuidadosamente e o guardou no bolso.”
As frases seguem a estrutura direta, com o sujeito realizando as ações (Maria -> segurou, dobrou, guardou).
4. Ordem Indireta (Objeto antes do Sujeito)
Coloca o objeto ou o foco no início, seguido pelo sujeito.
“A carta, Maria segurou com firmeza. O papel, ela dobrou cuidadosamente e o guardou no bolso. A decisão escrita ali, ela não poderia ignorar.”
A inversão de sujeito e objeto muda o foco para os itens (carta, papel, decisão) antes de introduzir a ação.
5. Ordem do Conhecido para o Novo
Começa com informações que o leitor já conhece, introduzindo novos elementos gradualmente.
“Os guardas já estavam acostumados com os gritos vindos das masmorras. Mas naquela noite, algo diferente aconteceu: os gritos cessaram abruptamente, substituídos por um silêncio ensurdecedor que deixou todos em alerta.”
Inicia com um contexto familiar (gritos), adicionando o elemento novo (o silêncio) que quebra a expectativa.
6. Ordem do Trivial ao Impactante
Começa com detalhes simples e termina com algo que chama atenção.
“As velas estavam acesas, iluminando a sala com uma luz suave. Na mesa, um caderno de capa preta permanecia aberto. No entanto, o que realmente perturbava era a sombra que se movia sozinha na parede.”
Pequenos detalhes (velas, caderno) constroem o ambiente, culminando no elemento mais intrigante (a sombra).
7. Ordem Circular
O parágrafo termina retornando à ideia inicial.
“Ele começou o dia no café de sempre, olhando pela janela enquanto tomava seu expresso. Ao longo do dia, encontrou amigos, enfrentou reuniões intermináveis e caminhou pela cidade. No fim da tarde, como sempre, voltou ao mesmo café, onde observou o pôr do sol com seu segundo expresso.”
O parágrafo começa e termina no mesmo ponto (o café), reforçando uma sensação de ciclo.
8. Ordem Contraposta
Alterna informações contrastantes para criar tensão.
“A sala estava limpa e organizada, mas o cheiro de algo queimado pairava no ar. O tapete parecia novo, exceto pela mancha escura no centro. Tudo parecia perfeito, mas havia algo profundamente errado naquele lugar.”
A alternância entre o normal e o estranho gera contraste e mantém o interesse.
9. Ordem por Expectativa
Cria uma sequência que gera curiosidade ou antecipação.
“Primeiro, ele ouviu o clique da porta. Depois, o som abafado de passos no corredor. Finalmente, a maçaneta girou lentamente, e a porta se abriu.”
A progressão dos detalhes aumenta a expectativa, levando a um clímax no final.
10. Ordem Inversa
Apresenta primeiro o resultado, depois explica os detalhes.
“O quadro estava em pedaços no chão. Havia tinta espalhada pelas paredes e o cheiro de solvente era forte. Tudo isso começou quando alguém, sem querer, esbarrou no cavalete durante a exposição.”
O parágrafo começa com o resultado (quadro quebrado) e depois explica as causas, criando curiosidade no leitor.
Essas variações de ordem permitem que o autor manipule o ritmo, a curiosidade e a atenção do leitor, enriquecendo a experiência narrativa.
3. Coerência
Coerência é a qualidade que torna sua escrita compreensível. As frases e palavras dentro de um parágrafo precisam se conectar umas às outras e trabalhar juntas como um todo.
Um dos truques para alcançar a coerência é usar palavras de transição. Não, não estou falando de conectivos, mas de palavras que possam relacionar um elemento de uma frase com o elemento de outra. Quando o próprio texto não demonstra a relação entre uma frase e outra, essas palavras de transição podem auxiliar.
Além disso, ao escrever um parágrafo, usar um tempo verbal consistente e um ponto de vista são ingredientes importantes para a coerência. Deve também se tomar cuidado ao adotar técnicas de estilística, sem as saber executar bem, podendo causar erros de interpretação.
Enfim, a coerência de um parágrafo diz respeito ao alinhamento entre o que o autor queria transmitir com o que o leitor poderia compreender. Vamos aos exemplos:
1. Palavras de Transição para Ordem Temporal
✔️“Ela abriu o caderno e revisou os rascunhos da noite anterior. Depois disso, apagou algumas frases e acrescentou novas ideias. Finalmente, satisfeita, fechou o caderno e guardou-o na prateleira.”
Por que funciona: As palavras de transição (“depois disso”, “finalmente”) ajudam a organizar as ações em ordem temporal, facilitando o entendimento do leitor.
❌“Ela abriu o caderno. Apagou algumas frases. Acrescentou novas ideias. Fechou o caderno.”
Por que não funciona: A ausência de palavras de transição deixa as ações desconectadas, dificultando a compreensão do fluxo das atividades. Isso até pode ser considerado um efeito estilístico, mas há de se considerar a intencionalidade, e com certeza ficaria melhor em um único período.
2. Relações Espaciais
✔️“A mesa estava no centro da sala, coberta com papéis e cadernos. À direita, uma pilha de livros quase caía. Acima da mesa, uma luminária pendia, projetando luz sobre o caos organizado.”
Por que funciona: As palavras referenciais (“à direita”, “acima”) ajudam a criar um mapa mental do espaço descrito, conectando os elementos entre si.
❌“A mesa estava no centro da sala. Uma pilha de livros quase caía. Uma luminária projetava luz.”
Por que não funciona: A falta de relações espaciais deixa os objetos desconectados, dificultando a visualização do ambiente. O leitor pode preencher essas lacunas com imaginação, mas, se algum objeto desses faz parte do enredo e sua posição importa, o próprio autor tem a obrigação de preencher.
3. Relações Lógicas
✔️“João estudou o mapa atentamente. De fato, ele sabia que qualquer erro de cálculo poderia custar caro. Além disso, a travessia era perigosa, exigindo precisão absoluta.”
Por que funciona: Expressões como “de fato” e “além disso” conectam as frases, estabelecendo uma relação de causa e consequência.
❌“João estudou o mapa atentamente. Ele sabia que qualquer erro poderia custar caro. A travessia era perigosa.”
Por que não funciona: A relação entre as frases não está clara, e o parágrafo perde fluidez lógica.
4. Tempo Verbal Consistente
✔️“Ana caminhava pela praia enquanto o sol se punha. O vento soprava suavemente, trazendo o cheiro de sal. Ela pensava em como aquele lugar sempre lhe trazia paz.”
Por que funciona: O uso do pretérito imperfeito em todas as frases mantém a consistência temporal.
❌“Ana caminhava pela praia enquanto o sol se punha. O vento sopra suavemente, trazendo o cheiro de sal. Ela pensava em como aquele lugar sempre trouxe paz.”
Por que não funciona: A troca de tempos verbais (pretérito para presente) quebra a coerência, confundindo o leitor. Esta troca não teve nenhuma justificativa, como troca de abordagem ou mudança de referência temporal.
5. Ponto de Vista Consistente
✔️“Lucas não conseguia parar de pensar no que havia acontecido. Suas mãos tremiam, e ele mal ouvia os outros conversando. ‘Eu preciso sair daqui’, pensou ele.”
Por que funciona: O ponto de vista em terceira pessoa permanece consistente ao longo do parágrafo.
❌“Lucas não conseguia parar de pensar no que havia acontecido. Suas mãos tremiam. ‘Preciso sair daqui’, pensei eu.”
Por que não funciona: A mudança abrupta para a primeira pessoa quebra o ponto de vista, prejudicando a coerência.
6. Coerência sem Palavras de Transição
✔️“O sol estava alto no céu. A areia queimava os pés de Clara enquanto ela caminhava até a água. Quando chegou à beira do mar, mergulhou sem hesitar.”
Por que funciona: Mesmo sem conectores explícitos, as ações estão dispostas de forma lógica, garantindo a compreensão.
❌“O sol estava alto no céu. Clara caminhava. Mergulhou na água.”
Por que não funciona: A falta de conexão lógica entre as ações cria lacunas no entendimento.
7. Técnicas de Estilística Bem Executadas
✔️“No início, silêncio absoluto. Depois, o som de passos. Por fim, um grito cortou o ar, rasgando o que antes parecia eterno.”
Por que funciona: A estrutura fragmentada e as frases curtas criam uma tensão crescente, alinhando estilo e propósito.
❌“No início havia silêncio. Depois, passos. Um grito cortou o ar. Antes, parecia eterno.”
Por que não funciona: A desordem nas frases e a tentativa de estilização sem propósito quebram a coerência.
4. Completude
Completude significa que um parágrafo está bem desenvolvido. Se todas as frases apoiarem de forma clara e suficiente a ideia principal, seu parágrafo estará completo. Se não houver frases ou informações suficientes para concluir o que você se propôs a apresentar no parágrafo, o parágrafo está incompleto.
Isso de nada tem a ver com completar a história, mas somente da fração que você escolheu mostrar ou contar naquele trecho.
Se você escolheu descrever um personagem naquele parágrafo, o personagem deve ser totalmente descrito ali e não continuar em outro. Você pode optar por descrever somente os olhos do personagem ou apenas seus trejeitos.
Como dito na Unidade, a escolha do tópico frasal é importante nesse caso também, podendo optar por descrever algo mais amplo ou mais específico. É importante que você defina um escopo, uma delimitação clara do que irá escrever, senão irá necessitar de muitas linhas para poder concluir.
O que é possível de se fazer é que um parágrafo complemente a informação de outro parágrafo. No entanto, cada parágrafo deve ter sua ideia concluída, não necessitando que parágrafos anteriores ou posteriores sejam lidas para que se compreenda os sentidos. Tudo deve confluir para reforçar o seu tópico frasal, e não divagá-lo.
Isso de maneira alguma exclui a necessidade do contexto. O importante aqui é a compreensão do trecho e não da história como um todo. Vamos aos exemplos:
1. Parágrafo Descritivo Completo
✔️“Joana tinha olhos de um azul intenso, como o céu em dias claros. Suas sobrancelhas eram finas, arqueadas como se desenhadas à mão. O nariz pequeno e delicado dava-lhe uma expressão quase angelical, enquanto os lábios, rosados e ligeiramente curvados para cima, pareciam estar sempre a ponto de sorrir.”
Por que funciona: A descrição foca inteiramente no rosto de Joana, com detalhes suficientes para concluir a ideia dentro do escopo delimitado.
❌“Joana tinha olhos de um azul intenso e sobrancelhas finas. Seus lábios pareciam sempre a ponto de sorrir.”
Por que não funciona: O parágrafo carece de detalhes para concluir a descrição, omitindo informações que deixariam o retrato completo.
2. Parágrafo Narrativo Completo
✔️“Lucas entrou na sala, olhou ao redor e percebeu que algo estava errado. O silêncio era absoluto, e a luz piscava intermitentemente. Ele se aproximou da mesa, onde viu um envelope com seu nome. Ao abrir, encontrou uma mensagem que o fez recuar, com as mãos tremendo.”
Por que funciona: O parágrafo narra uma ação específica (a entrada de Lucas e a descoberta do envelope) e conclui com uma reação, sem deixar lacunas.
❌“Lucas entrou na sala e percebeu algo errado. Havia um envelope com seu nome. Ele o abriu.”
Por que não funciona: A narrativa é rasa e deixa várias lacunas (o que estava errado? O que ele sentiu ao abrir o envelope?).
3. Parágrafo Reflexivo Completo
✔️“Ela pensava em como a vida parecia injusta às vezes. Havia se esforçado tanto, e, no entanto, os resultados pareciam não vir. Era como se cada passo para frente fosse seguido por dois para trás. Mas, no fundo, sabia que desistir não era uma opção. Precisava seguir em frente.”
Por que funciona: A reflexão está bem delimitada e concluída dentro do escopo do parágrafo, sem depender de informações externas.
❌“Ela pensava em como a vida era injusta. Mesmo se esforçando, os resultados não apareciam. Mas ela precisava seguir.”
Por que não funciona: A reflexão não é desenvolvida de forma satisfatória, carecendo de maior profundidade e fechamento.
4. Escopo Amplo, mas Completo
✔️“A biblioteca era um lugar mágico. Fileiras e mais fileiras de livros antigos criavam corredores que pareciam não ter fim. O cheiro de papel envelhecido e couro impregnava o ar, trazendo uma sensação de nostalgia. As mesas, polidas e bem cuidadas, brilhavam sob a luz suave dos lustres. Tudo ali parecia convidar à exploração e ao aprendizado.”
Por que funciona: A descrição cobre todos os elementos principais do ambiente da biblioteca, concluindo a ideia.
❌“A biblioteca era um lugar mágico, cheia de livros antigos. As mesas brilhavam sob a luz suave. Tudo parecia convidativo.”
Por que não funciona: A descrição é incompleta, omitindo detalhes importantes que ajudariam a criar uma imagem mais rica.
5. Escopo Específico, mas Completo
✔️“Os olhos do gato eram impressionantes. Verdes como esmeraldas, refletiam a luz de uma forma quase hipnótica. As pupilas negras, verticais e precisas, dilatavam-se conforme ele observava o movimento ao redor.”
Por que funciona: A descrição se limita aos olhos do gato e os detalha de forma completa.
❌“Os olhos do gato eram verdes e refletiam a luz. Suas pupilas se dilatavam.”
Por que não funciona: Apesar de focar nos olhos, o parágrafo não traz informações suficientes para desenvolver a ideia de forma completa.
6. Complemento entre Parágrafos
✔️“Joana era uma figura peculiar. Seus olhos azuis intensos e os cabelos longos chamavam atenção, mas eram seus trejeitos que realmente a diferenciavam. Ela movia as mãos constantemente enquanto falava, como se desenhasse no ar. Seu riso, suave e contagiante, parecia iluminar qualquer ambiente.”
Por que funciona: Cada parágrafo tem uma ideia concluída (aparência e trejeitos), mas juntos constroem uma visão completa de Joana.
❌“Joana era uma figura peculiar. Seus olhos azuis chamavam atenção. Seus trejeitos eram diferenciados.”
Por que não funciona: A informação está fragmentada, sem desenvolvimento suficiente em cada parágrafo.
7. Reflexão Incompleta
✔️“O fim da jornada trazia uma mistura de alívio e melancolia. Tudo o que haviam enfrentado parecia valer a pena, mas a sensação de vazio era inegável. Talvez fosse o preço a se pagar por grandes conquistas.”
Por que funciona: A reflexão é bem desenvolvida e encerra a ideia apresentada.
❌“O fim da jornada trazia alívio. Era o preço a pagar por grandes conquistas.”
Por que não funciona: A reflexão é rasa e não explora as emoções de forma completa.
Lidar com esses 4 princípios não é uma tarefa simples, mas você pode treinar, treinar e treinar para que saia de forma natural. É claro que você pode dar umas relaxadas em alguns aspectos, mas sempre faça de forma intencional, que foi da tua vontade deixar raso, deixar fragmentado, deixar confuso para o suspense e outros propósitos.
Transição de Parágrafos
Entre um parágrafo e outro
Até aqui expliquei tudo sobre o desenvolvimento de UMA ideia de parágrafo, como propor a ideia, escrever a ideia, escolher os métodos, a ordem e a estrutura.
E agora? Como fazemos para avançarmos para outro parágrafo, outra ideia?
Como escritores de obras serializadas, nós webnoveleiros, já somos obrigados a pensar em como finalizar um capítulo e como começar outro. Ah, mas isso é uma tarefa até nos parágrafos. Sim, estamos muito ferrados.
Temos que pensar em enredar o leitor parágrafo a parágrafo para ele não dropar no meio do capítulo também. Não é porque tem só mais 500 palavras do capítulo que não vai se sentir entediado e terminar por ali mesmo.
Para te ajudar, vou te apresentar as técnicas mais utilizadas para avançar de um parágrafo a outro, vou te mostrar as técnicas de transição.
A transição entre parágrafos é fundamental para manter a coesão, a fluidez e o ritmo do texto. Em uma narrativa ou outro tipo de escrita, ela permite que o leitor passe de uma ideia para outra sem perda de conexão ou compreensão. Existem diferentes técnicas para realizar essas transições, cada uma adequada a uma situação.
1. Conectivos ou Marcadores de Transição
São palavras ou expressões que indicam continuidade, adição, contraste, causa, conclusão, entre outras relações. Exemplos incluem: portanto, além disso, no entanto, em seguida, finalmente.
“A chuva finalmente cessou, e o sol surgiu por entre as nuvens. As crianças saíram correndo para aproveitar o dia.
Enquanto isso, os adultos se reuniram na varanda para conversar e tomar um café fresco.”
Aqui, “Enquanto isso” conecta os dois parágrafos indicando simultaneidade.
2. Repetição ou Referência a uma Palavra-Chave
Repetir ou retomar uma palavra importante do parágrafo anterior para reforçar o elo entre as ideias.
“A floresta era densa e escura. Cada árvore parecia mais alta e mais antiga do que a anterior.
Aquela floresta guardava segredos que poucos ousaram descobrir, e cada passo dado lá dentro era um mergulho no desconhecido.”
A palavra “floresta” é retomada para manter a continuidade.
3. Pergunta Retórica ou Interrogativa
Finalizar um parágrafo com uma pergunta que será respondida ou discutida no seguinte.
“João não sabia mais o que fazer para resolver aquela situação. Tudo parecia perdido.
Seria o destino tão cruel assim? Talvez não. João ainda tinha uma última carta na manga.”
A pergunta retórica cria uma ponte direta e instiga a continuidade.
4. Encadeamento de Ideias (Causa e Consequência)
A ideia final de um parágrafo serve como gancho para iniciar o próximo, mostrando relação de causa, consequência ou continuidade.
“O garoto tropeçou no meio da rua, espalhando suas compras pelo chão.
Por sorte, uma senhora que passava ajudou-o a recolher as frutas e os pães.”
O termo “Por sorte” introduz uma consequência positiva da situação anterior.
5. Transição com Contraste
Usar expressões que indicam oposição, como no entanto, mas, contudo, por outro lado, etc.
“A cidade parecia perfeita aos olhos dos turistas. Ruas limpas, prédios históricos bem cuidados.
Por outro lado, os moradores reclamavam do custo de vida elevado e do excesso de visitantes durante o verão.”
O uso de “Por outro lado” sinaliza contraste e mudança clara da ideia.
6. Elemento ou Personagem Contínuo
Manter o foco em um personagem, objeto ou evento que transita entre os parágrafos, servindo de conexão.
“Lucas saiu de casa apressado, com a mochila nas costas e os fones de ouvido.
Enquanto descia a rua, Lucas pensava em como evitar a bronca do chefe por estar atrasado.”
O personagem Lucas atua como elo entre os parágrafos.
7. Conclusão de uma Ideia e Introdução de Outra
Um parágrafo conclui uma ideia e o seguinte introduz uma nova, mas conectada ao fluxo do texto.
“O inverno trouxe consigo dias curtos e noites intermináveis, uma verdadeira prova de resistência para os moradores do vilarejo.
Além do frio, os aldeões precisavam lidar com a escassez de alimentos que a estação rigorosa provocava.”
A expressão “Além do frio” conecta a conclusão do parágrafo anterior a uma nova questão.
8. Uso de Metáforas ou Imagens Contínuas
Retomar uma metáfora ou imagem do parágrafo anterior para manter o fluxo e aprofundar o tema.
“A vida de Pedro era como um navio à deriva, sem um destino claro.
Mas, finalmente, ele decidiu assumir o leme e buscar um porto seguro, não importando as tempestades que enfrentaria.”
A metáfora do navio conecta os dois parágrafos.
A transição entre parágrafos é essencial para manter o texto coeso e fluido. Cada técnica pode ser usada dependendo do tom, do ritmo e da intenção da narrativa. Combinar diferentes métodos, como repetição de palavras, conectivos e continuidade de personagens, é uma estratégia eficaz para criar uma leitura envolvente e sem rupturas abruptas sem motivo.
Uma transição bem feita, vai obrigar o leitor a continuar lendo, seja pela fluidez ou pelo estímulo à ansiedade. Cada palavra colocada entre um parágrafo e outro deve ser milimetricamente controlada seguindo a estratégia do autor, e isso faz suar a testa de todos nós.
O Tamanho do Parágrafo
Esse eu sei que é um assunto polêmico, e por isso quis deixar por último.
Mas, Kamo, no outro artigo você já disse que é de 1 a 8 linhas, em média 2 a 4.
Então, isso é informação pra leigo. Você já deve saber a essa altura do porquê utilizarmos uma medida tão baixa em webnovel. O principal concorrente da webnovel não é o livro e nem quadrinhos/mangás. O principal concorrente da webnovel é Tiktok, Youtube, Instagram, X, Netflix, Amazon Prime, Crunchyroll… As mídias sociais e conteúdos digitais são a nossa principal concorrência.
Isto ocorre porque nós compartilhamos o meio pelo qual os leitores consomem nossas obras: a tela do smartphone. Nisso o nosso esforço é no quanto de tempo de tela conseguimos tirar o leitor de assistir seus vídeos e conteúdos da rede para ler nossas obras.
Esqueçam os livros e padrões preestabelecidos na escrita.
Isso aqui é terra sem lei.
Psicologia Paragrafal
Onde não há lei, entra a ciência e a psicologia. Definir o tamanho e as propriedades dos parágrafos para engajar o leitor envolve aspectos psicológicos ligados à percepção, atenção, e processamento de informações. Listo abaixo os principais aspectos psicológicos e como eles impactam a leitura:
1. Carga Cognitiva
Baseado na Teoria da Carga Cognitiva de Sweller (1988), leitores têm limites na quantidade de informações que conseguem processar de uma vez. Parágrafos longos podem sobrecarregar, enquanto os curtos mantêm o ritmo dinâmico.
Parágrafos curtos reduzem a sobrecarga cognitiva e facilitam o entendimento, principalmente em textos densos ou explicativos. Portanto divida parágrafos muito densos sem justificativa em blocos menores, garantindo que cada parágrafo desenvolva uma ideia clara e autossuficiente.
O autor pode estruturar o texto para apresentar informações em blocos manejáveis, respeitando o limite da memória de trabalho. Por exemplo, um parágrafo expositivo denso sobre um sistema mágico pode ser fragmentado em partes que detalhem origem, funcionamento e limites.
2. Ritmo e Variação
A monotonia de parágrafos uniformes em tamanho pode entediar o leitor. Alternar entre parágrafos curtos (ação rápida) e longos (reflexão ou descrição) cria uma experiência dinâmica reflete a intensidade emocional da cena.
A variação no tamanho dos parágrafos ativa o sistema de recompensa cerebral (dopamina), associado à novidade e ao ritmo. Segundo estudos de Larsen-Freeman (1997), variação linguística mantém o interesse do leitor.
Você pode, por exemplo, usar parágrafos curtos para cenas de ação e longos para momentos introspectivos ou descritivos, mantendo o leitor emocionalmente engajado.
3. Escaneabilidade
De acordo com o trabalho de Nielsen (2006) sobre leitura na web, leitores tendem a escanear o texto antes de lê-lo profundamente. Parágrafos claros e bem delimitados facilitam essa navegação.
Em conjunto com o estudo anterior, opte por apresentar identidades claras nas primeiras e nas últimas palavras do parágrafo, onde o leitor costuma escanear. Nesse aspecto, é considerado um erro começar todas ou a maioria dos parágrafos da mesma forma sem um intuito.
O texto ficcional narrativo não necessita de estruturas claras e diretas como nos textos argumentativos ou dissertativos, porém opte pela clareza em alguns parágrafos para servir como pontos de escaneamento.
Por exemplo, você pode utilizar frases adverbiais no começo de alguns parágrafos para informar ao leitor logo de início qual parte da história (espaço/tempo) este parágrafo apresenta.
4. Espaço em Branco e Respirabilidade
O espaçamento entre parágrafos vai além de uma obrigatoriedade editorial; é uma ferramenta estratégica que permite ao autor transmitir ritmo e pausas na leitura. Mais do que um elemento visual, o espaçamento ajuda a organizar as ideias, reduz a ansiedade visual e facilita a compreensão, permitindo que o leitor “respire” enquanto interage com o texto.
A Teoria Transacional de Rosenblatt (1988) destaca que a formação de significado ocorre por meio da interação contínua entre o leitor e o texto. Nessa relação, Rosenblatt explica em Literature as Exploration (1933) que a experiência estética desempenha um papel essencial, e o design visual do texto, incluindo espaçamentos, contribui para essa experiência.
Por exemplo, espaçamentos maiores podem ser usados em transições de cena para substituir marcadores visuais, criar suspense ou indicar pausas na narração. No trecho já mostrado a seguir, extraído de Mushoku Tensei, o espaçamento reflete a pausa reflexiva do narrador, ajudando a intensificar o impacto:
“Parece que quanto mais complicado fosse um feitiço, mais longo seria o tempo proferindo o cântico. Na verdade, feitiços complicadíssimos tinham que ser entoados em conjunto com formações mágicas; isso não era um problema no início, no entanto…
Diz aqui que um mago habilidoso poderia usar magia sem cantá-la.
É o que chamam de sem cântico ou cântico curto.”
— Trecho de Mushoku Tensei, Rifujin na Magonote
No exemplo acima, o espaçamento maior entre os trechos indica uma transição entre a explicação técnica do feitiço e a revelação de um aspecto narrativo importante, o que ajuda a dar ênfase ao momento e provoca uma pausa reflexiva no leitor.
Além disso, é fundamental evitar parágrafos excessivamente longos ou compactos. Reorganize o conteúdo em blocos menores e coesos, ou combine parágrafos curtos sem propósito. Assim, o texto não apenas comunica ideias, mas também guia o leitor por uma experiência visual e narrativa mais envolvente e fluida.
5. Emoções e Conexão
A Teoria da Empatia Narrativa de Suzanne Keen (2006) e o estudo sobre ficção e empatia de Raymond Mar (2009) sugerem que o engajamento emocional do leitor depende de sua conexão com o texto.
O tamanho e o tom dos parágrafos devem ser ajustados para refletir as emoções da cena.
Parágrafos curtos, com frases impactantes, intensificam a carga emocional e geram um efeito imediato, sendo ideais para momentos de tensão ou suspense.
Já os parágrafos longos permitem uma imersão mais profunda no psicológico do personagem ou no cenário, sendo indicados para momentos de contemplação ou descrições detalhadas.
6. Continuidade e Antecipação
Baseado no Efeito de Zeigarnik, que sugere que o cérebro foca em tarefas incompletas, ganchos e transições bem estruturadas mantêm a curiosidade do leitor.
Encerrar parágrafos com frases que introduzem questões ou abrem caminhos para o próximo mantém o leitor engajado. Criar transições que deixam perguntas no ar alimenta a sensação de continuidade, incentivando a leitura sequencial.
Conclusões fragmentadas, perguntas retóricas ou frases que servem como ganchos para o próximo parágrafo ajudam a prender a atenção do leitor. Portanto, analise nas suas estruturas paragrafais e conclusões se há força efetiva suficiente de continuidade antes de começar outro parágrafo.
7. Complexidade da Ideia
De acordo com o modelo de Teoria da Compreensão de Textos de Kintsch (1988), informações complexas devem ser apresentadas em partes para facilitar a assimilação.
Divida ideias complexas em parágrafos menores, garantindo que cada um tenha um tópico frasal claro. Explicações detalhadas, como sistemas mágicos ou contextos históricos em narrativas de fantasia, podem ser fragmentadas para maior clareza.
Enquanto ideias simples podem ser expressas em parágrafos curtos, ideias complexas exigem mais espaço para desenvolvimento. Ajuste o tamanho do parágrafo ao escopo da ideia, evitando tanto o excesso de informações desnecessárias em ideias simples quanto a condensação excessiva de ideias complexas.
Encheção de linguiça é extremamente proibido na ficção! (não só na ficção, mas é sempre bom frisar)
8. Feedback Psicológico Positivo
De acordo com a Teoria do Progresso (Amabile e Kramer, 2011), completar pequenas tarefas gera uma sensação de conquista, e parágrafos curtos reforçam essa percepção.
No início de capítulos ou seções, use parágrafos curtos para incentivar o ritmo e o engajamento inicial do leitor. Em capítulos longos, interlúdios ou descrições breves ajudam a manter a motivação.
Parágrafos curtos transmitem uma sensação de progresso rápido, estimulando o leitor a continuar a leitura até em cenas de transição.
9. Estilo Narrativo e Personalidade
A Psicologia da Leitura (Rayner et al., 2016) aponta que o estilo do autor influencia o engajamento do leitor, e alinhá-lo às expectativas do público melhora a recepção da obra.
Narrativas introspectivas exigem parágrafos mais densos, enquanto thrillers e cenas de ação se beneficiam de parágrafos curtos e dinâmicos. Ajustar o estilo ao gênero literário torna a leitura mais imersiva e alinhada às expectativas do leitor.
O equilíbrio entre estilo, gênero e público-alvo é essencial para criar uma experiência narrativa envolvente.
10. Recompensa com Ganchos
De acordo com o Modelo de Retenção Narrativa (Green e Brock, 2000), o leitor tende a continuar a leitura quando recompensas (resoluções parciais) são combinadas com novos ganchos narrativos.
Finalize parágrafos com uma conclusão clara que resolva uma questão, mas introduza uma ideia ou pergunta que estimule a curiosidade para o próximo trecho. Essa técnica é especialmente eficaz em capítulos finais ou pontos de virada, onde o objetivo é manter o leitor preso à narrativa.
Evite encerrar completamente um assunto sem abrir espaço para o próximo, pois isso pode diminuir o ritmo da leitura. A combinação de resolução e antecipação mantém o engajamento e a fluidez do texto.
Junto com o Efeito de Zeigarnik, isso com certeza faz parte dos 10 mandamentos da escrita criativa.
1 linha ou 1000 linhas, eis a questão
Após esse estudo sobre como estruturar seus parágrafos, você ainda tem dúvida? É perfeitamente compreensível. Isso se deve porque realmente não há uma distinção clara sobre isso. Se analisarmos uma obra como um todo, mesmo que a maioria dos parágrafos sejam de 2, 3 ou 4 linhas na tela do celular, não é proibido que existam parágrafos que ocupe a tela toda ou parágrafos com uma ou duas palavras somente.
Esse fenômeno faz voltar sempre à questão “Por quê?”. Todos os parágrafos devem possuir o porquê de seu tamanho. Por que é curto? Por que é longo? Por que tem 2 linhas? Por que tem 50 linhas? Vamos ver um exemplo:
“Coloco minha determinação em ordem. Saio de casa. Aproximo-me da estação. Reúno coragem para passar pelas catracas. O trem chega. Reúno mais coragem para entrar. O trem chega à próxima estação. Reúno força para descer. Antes de sair pela catraca, novamente junto minha coragem. No caminho entre a estação e o portão da escola, a cada esquina dobrada, a cada poste ultrapassado, reajusto minha determinação para continuar avançando. Paro em frente ao portão da escola e meu coração dispara. O suor não para. Respiro fundo. Às vezes, preciso de vários minutos para isso. Quando consigo me acalmar, o medo toma conta de mim. Reúno coragem mais uma vez. Chego à entrada principal. Vou até o armário de sapatos. Em um dia ruim, o bullying já começa nesse momento. Se ainda não começou, é apenas um sinal de que estão esperando o momento certo para me pegar de surpresa. Com as mãos trêmulas, abro o armário. Reúno coragem para calçar os sapatos de uso interno. Para evitar que mexam neles, coloco meus sapatos sociais em uma sacola e os levo comigo até a sala de aula. Caminho pelos corredores. Cada estudante que passa por mim parece um inimigo. Sobressalto-me com qualquer um que me ultrapassa por trás. Tenho medo de que alguém esteja escondido nas sombras da escada, mas esforço-me para não demonstrar esse medo. Subo as escadas com cuidado. Se há alunas à minha frente, não subo. Não quero ser acusado de espiar sob suas saias. Chego ao andar da minha sala. Aqui, começo a ver rostos conhecidos. A maioria evita meu olhar com expressões desconfortáveis. No entanto, nunca posso descartar a possibilidade de novos inimigos. Se for um garoto, ele pode me empurrar. Se for uma garota, pode me acusar de assédio após me abraçar. Ainda assim, se eu agir de forma muito evasiva, isso pode virar motivo para novas acusações. Reúno coragem e sigo em frente pelo corredor, arrastando meus pés pesados. Mas quanto mais avanço, mais perto chego da sala de aula. A cada passo, meus pés parecem ainda mais pesados. Preciso reunir coragem novamente. Finalmente, chego à porta da sala. Não consigo estender minha mão para abri-la. Mais uma vez, preciso reunir coragem. Relembro a mim mesmo que, não importa o que encontre do outro lado, devo me manter calmo. Não devo me surpreender, me apressar ou me irritar. Com essas palavras, tento abrir a porta. Antes que eu consiga, alguém a abre primeiro, e minha mão só encontra o vazio. Até mesmo esse pequeno movimento pode virar motivo de risada. Finjo que nada aconteceu, com toda a coragem que consigo reunir. Os colegas de classe evitam meu olhar assim que entro. Reúno coragem. Murmuro um “bom dia”. Não recebo resposta. Com coragem, verifico se minha mesa está intacta. Com coragem, espero o toque do sinal para o início da aula.”
Esse parágrafo enorme é de uma webnovel, muito boa inclusive. Nessa obra o autor costuma apresentar parágrafos de uma ou duas linhas na maioria e com tom cômico e alegre. Após o fim do primeiro arco, o autor decidiu inserir o backstory do protagonista, e esse parágrafo me pegou de surpresa.
Desprevenido, comecei a ler, mesmo assustado com o tamanho, pois eu já estava engajado na história e queria saber da continuação. Quem já sofreu bullying na escola pode sentir uma carga emocional enorme no trecho, pois reflete uma realidade que muitos já sofreram, assim como eu. A forma como o texto é disposto, a ordem e o estilo sugerem a representação dessa experiência, do quanto é desgastante e desumano a rotina diária de quem sofre bullying, do quanto parece interminável e dolorido o caminho percorrido todo dia de manhã.
Em minha honesta opinião, o tamanho desse parágrafo se encaixou muito bem com o propósito. Mas não é por isso que você pode sair colocando vários parágrafos enormes na sua história. Até onde li, foi o único parágrafo grande que o autor colocou nessa obra, e isso sugere que faz parte do tema e da mensagem da obra.
A questão toda é mais simples do que parece. Defina seu estilo baseado nas obras que você já leu, que você se inspirou e nas que você já escreveu. Esse estilo vai incluir a média de tamanho dos seus parágrafos. Você pode ter uma média de 1 linha ou de 10 linhas por parágrafo e tá tudo bem, desde que esse seja seu estilo e adequado ao público que quer alcançar.
Analise também as médias das plataformas onde quer publicar, bem como os estilos. Você também pode se adaptar dependendo da editora, mas isso não deve afetar negativamente o conteúdo.
E também não venha depois falar que “o Kamo deixou eu colocar quantas linhas eu quiser”! Um estudo sobre as médias de cada plataforma pode ser considerado, sim, na hora de formular o seu, como eu publiquei em outro artigo, mas o que eu queria falar é que essa não é uma regra rígida; nem regra é.
Eu poderia ter começado este artigo com a origem histórica do parágrafo, mostrando pergaminhos e tals, mas isso você encontraria em qualquer outro site por aí.
Prometi que aqui não trataríamos de ENEM e eu espero ter explicado todos os aspectos, ou ao menos a maioria deles, sobre a escrita de parágrafos do gênero ficção, sobretudo de webnovel.
Obrigado por lerem e até a próxima.